Foto: Reuters / Sérgio Moraes

domingo, 24 de janeiro de 2010

Mapas interativos informam população sobre crimes na Inglaterra


Mapas interativos informam população sobre crimes




Quem vive na Inglaterra ou no País de Gales pode se conectar e navegar pelas estatísticas de crime da sua região ou bairro. A ferramenta Online Crime Maps (Mapas do Crime Online), lançada em janeiro de 2009, fornece dados sobre crimes de todas as 43 forças policiais da Inglaterra e do País de Gales.


A idéia de criar os mapas de crime online veio a partir do resultado de uma pesquisa que demonstrou que a população se sente alienada do sistema de justiça no Reino Unido. "Muito frequentemente", afirma o relatório, "o sistema deixa os cidadãos com a sensação de que a sua principal preocupação é processar quem infringe a lei, em vez de atender às necessidades dos cidadãos cumpridores da lei", afirma.


Os mapas detalham graficamente informações sobre diversas infrações, contendo até projeções sobre as tendências de subida e queda dos crimes. Parece mais um caso de promessa tecnológica: a polícia fornece os dados, e o cidadão tem a informação útil para as suas necessidades. Será?
"O crime no Reino Unido tem diminuído, mas os medos coletivos não tiveram uma redução correspondente. Na verdade, até subiram", diz Spencer Chainey, professor do Instituto Jill Dando de Ciências Criminais. A exigência do Ministério do Interior britânico de que polícia publique as estatísticas criminais foi compreendida como uma tentativa de mudar a percepção sobre a segurança.


Sensação de insegurança


"Ao oferecermos mapas interativos e atualizados, podemos informar melhor as pessoas sobre as áreas em que habitam, permitindo que tenham mais voz nas decisões sobre as prioridades das polícias locais" disse, na época do lançamento, a ministra do interior, Jacqui Smith, ao jornal The Guardian.

"A percepção do crime no Reino Unido é cerca de 10 a 100 vezes maior do que as taxas de crime de fato. Como a média dos cidadãos, se me perguntassem quantos roubos a residência aconteceram semana passada, eu diria 300 - quando na verdade foram 30", afirma o professor Chainey, que é diretor de Ciências da Informação Geográficas do Instituto Jill Dando de Ciências Criminais, da Universidade de Londres. "Uma forma de superar isso é uma iniciativa de publicar mapas do crime - para ajudar a aliviar os medos e preocupações das pessoas", diz.


Já o professor Martin Innes, diretor do Instituto de Ciências Policiais da escola de Ciências Sociais da Universidade de Cardiff, critica veementemente a idéia de publicar estatísticas criminais como uma forma de aliviar sentimentos de insegurança.


Innes observa que, de acordo com a British Crime Survey (pesquisa anual sobre crimes no Reino Unido), cerca de dois terços da população não acredita que tenha havido quedas gerais nos crimes registrados nos últimos 12 anos, como anunciado pelas autoridades policiais. Innes conduziu uma pesquisa no Reino Unido, Austrália e Holanda que lida com a compreensão da percepção popular do crime e da desordem, e é cético em relação ao valor de se publicarem dados para mudar a opinião pública.


"As evidências empíricas sugerem que a crença de que simplesmente demonstrar dados sobre o crime local pode 'realinhar' a percepção pública é inapropriada. Principalmente porque muitos dos crimes não são notificados e a insegurança da população não depende somente dessas questões que são domínio da polícia", diz Innes.


Em uma carta para o jornal inglês The Guardian, Innes expressou a sua preocupação com a idéia de que tornar público é melhorar a sensibilidade pública à segurança. "Há duas razões principais para que essa estratégia falhe. A primeira é que vincula a percepção do crime à existência real do crime, e explica a primeira como diretamente proporcional à segunda. Não é o caso", afirma.


Ao contrário, Innes ressalta que crimes não-notificados - como uma série de roubos a residência, por exemplo - influenciam da mesma forma a percepção pública de insegurança. "Ainda assim afetam o julgamento das pessoas em relação à segurança do seu ambiente", diz.


"Os medos coletivos", resume Innes, "não são irracionais; eles apenas não se conformam às presunções do Ministério do Interior. Uma promoção séria de segurança nos bairros requer mais do que simplesmente reformatar as mesmas velhas estatísticas".


Dados mais específicos


O professor Spencer Chainey tem trabalhado com mapas de crime por quase 14 anos e presta consultoria a governos sobre como usá-los em algumas questões de segurança, entre elas, onde aplicar os controles policiais e no desenvolvimento de projetos de prevenção. Mais recentemente, Chainey também vem divulgando o próprio conceito de publicar mapas do crime.


Para Chainey, publicar esses mapas online não significou apenas grandes desafios tecnológicos. "Nós temos bons sistemas na nossa força policial no sentido de monitorar o crime - nos últimos cinco anos os mapas têm sido usados no apoio ao seu trabalho. Ou seja, os dados já estão lá, prontos para serem postos em um formato para publicação", diz.


A preocupação era se a tecnologia que a polícia já tinha iria suportar um maior volume de utilização. Os criadores dos mapas tiveram que discutir qual infraestrutura era necessária nas pacatas delegacias do interior, por exemplo, ou se a infraestrutura já disponível em Londres suportaria centenas de milhares de acessos.


Em relação a se os mapas atendem ao interesse público, Chainey - que também faz parte da Agência Nacional de Aperfeiçoamento do Policiamento - acredita que há muito o que melhorar. "A maior parte das forças policiais está publicando informação de maneira inadequada", afirma. Segundo ele, os dados são publicados de uma forma que não atende às necessidades do público. E ele ilustra o problema com um exemplo no Rio de Janeiro:


"Imagine que eu vivo no Leblon: se eu estivesse interessado em saber sobre o crime na minha área, gostaria de saber sobre o crime na minha rua. Se eu fosse para o site da polícia, eu iria atrás de informações sobre um local bem específico, como a área onde moro e as duas avenidas próximas. Atualmente, no entanto, as informações estão sendo disponibilizadas com um nível de detalhamento insuficiente; os dados são publicados para toda a região do Leblon e Ipanema, dois bairros vizinhos inteiros", diz.


De acordo com Chainey, a informação disponível é bem detalhada e administrável. Notificações de crimes são arquivadas em detalhes, e, na verdade, dá até mais trabalho agregar tudo em uma abrangência geográfica maior. Se há um roubo a residência, afirma o professor, existem tem informações detalhadas relativas àquela residência específica. Há, entretanto, outras questões relativas à divulgação dessas informações.


"Temos leis rígidas sobre o que pode ou não ser publicado; não se pode tornar públicas informações que podem identificar o indivíduo. Eu não preciso saber que o meu vizinho teve a sua casa assaltada, por exemplo", pondera. A preocupação é que a informação sobre crimes não leve à "revelação" de identidade - que esteja garantida a privacidade dos indivíduos.


Os mapas do crime não mostram todas as infrações. Os crimes contra a propriedade estão lá, roubo a residência, furto de automóveis, agressão - e o próximo da lista a ser incluído é 'comportamento antissocial' (antisocial behavior). No entanto, nos mapas do crime da Inglaterra e do País de Gales, dados sobre estupros e homícidios estão ausentes. "Há tão poucos homicídios, é tão improvável que afetem o público, que não há motivos para colocá-los no map. A imprensa já se encarregará disso", explica Chainey.


Em relação aos estupros, diz Chainey, ao publicarem-se informações desse tipo em um nível tão local, corre-se o risco de identificar a vítima. A polícia metropolitana publica mensalmente as estatísticas de estupro para cada um dos 32 distritos de Londres. "São áreas muito extensas, então não há risco de identificar as vítimas. Por outro lado, nessa escala tão abrangente, a informação não é útil para o público", diz.


Pouco efeito no combate ao crime


Do outro lado do Atlântico, a tendência são mapas disponíveis para o público com foco principal em crimes contra a propriedade. "A maior parte dos grandes departamentos de polícia americanos tem websites com estatísticas gerais de crime. Alguns - Chicago, por exemplo - têm estatísticas sobre áreas específicas para alguns crimes, mas em geral são crimes contra a propriedade", diz o professor Peter Manning, chefe do departamento de Policiamento e Justiça Criminal da Northeastern University. "A polícia acredita que informação demais é aterrorizante; eles acreditam que são os especialistas que devem decidir o que deve ser divulgado", acrescenta.
Autor do livro "The technology of policing" ("A tecnologia do policiamento", em tradução livre), lançado em 2008, Manning não vê dados de mapas do crime serem usados efetivamente dentro dos departamentos de polícia. "No meu livro, argumento que esses mapas e reuniões dentro da polícia têm pouco ou nenhum efeito no combate ao crime ou no conhecimento público, mas são usados como meios de aumentar a responsabilização e visibilidade dos policiais nas suas ações", diz.

Manning argumenta que, já que não há nenhuma avaliação sobre o que é feito, o uso de mapas do crime não pode ter um efeito direto de monitoramento para as ações policiais. Ou seja, esses mapas não melhorariam a ação porque nenhum evidência é produzida sobre o que funciona e o que não. "Os mapas são feitos por funcionários, e não são usados sistematicamente por policiais; na minha pesquisa, não vi evidência nenhuma de mudança na carga de trabalho ou nas práticas", diz o professor.


Mapas do crime podem diminuir investimentos nas áreas afetadas


E os efeitos concretos dos mapas do crime? Peter Manning acredita que a polícia sabe onde a maior parte dos crimes graves ocorrem. "Na cidade de Boston, por exemplo, a área onde há homicídios está restrita a alguns quilômetros quadrados", diz. Se a polícia tem o conhecimento, tornar os mapas públicos, além de não aumentar a sensação de segurança, pode ser prejudicial às pessoas mais inseguras - aquelas que vivem nas áreas mais afetadas pelo crime.


"Quais são as consequências de rotular publicamente um lugar como "área com altos níveis de criminalidade"?", pergunta o britânico Innes, motivado pela preocupação com o crescente isolamento das áreas problemáticas. "A partir do momento que uma área recebe o rótulo de 'altos níveis de criminalidade' - ou de 'alto risco' - você na verdade reduz as possibilidades de virar a sorte dessa área. Se uma vizinhança é 'oficialmente' rotulada de problemática, é certo que as pessoas não vão querer viver ali, nem vão querer investir no local", diz.

Traduzido por Bernardo Tonasse


Fonte: Comunidade Segura


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