Foto: Reuters / Sérgio Moraes

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Artigo de Julita Lemgruber - Quando a polícia mata...

Publicado em O Globo, 10 de julho de 2008.
Em 2001 o condado de Los Angeles foi obrigado pela Justiça a pagar cerca de sete milhões de dólares em indenizações a vítimas de violência policial - que incluíam desde 12 pessoas mortas pela arma de um policial até 22 submetidas a "força excessiva", mesmo sem seqüelas duradouras, em alguma ação da polícia. Seis anos depois, o condado desembolsava em indenizações desse tipo cerca de três milhões de dólares, ou seja, menos da metade da quantia anterior. E as 5 vítimas letais da polícia em 2007 também representavam menos da metade do número registrado em 2001.
O que mudou ao longo desses anos? O governo de Los Angeles contratou os serviços de Merrick Bobb, conhecido e respeitado advogado, para atuar como auditor independente e monitorar as ações da polícia local. Desenvolveu-se no condado um sistema de controle do disparo de arma de fogo, em que cada policial deve registrar, ao final do dia, cada tiro disparado e até mesmo cada vez que a arma foi sacada do coldre. Tornou-se obrigatório relatar minuciosamente os fatos que motivaram o uso da arma, e também outros incidentes em que se avalie ter havido emprego excessivo da força, sendo tais relatórios revistos pelas chefias e discutidos com os policiais.
Na década de 1990 várias cidades norte-americanas tiveram de pagar indenizações milionárias a vítimas de violência policial. De Nova York a Filadélfia, de Detroit a Los Angeles, centenas de milhões de dólares dos contribuintes foram gastos com isso. Apenas como exemplo, uma pessoa mordida por um cão da polícia, recebeu indenização de 100 mil dólares. Como reconhecem estudiosos das polícias dos EUA, a sangria de recursos provocada por ações judiciais dessa natureza foi um estímulo decisivo à adoção, em várias partes do país, de estratégias de controle externo voltadas explicitamente para reduzir a violência e a corrupção policiais. O princípio que está por trás é muito simples: em cada episódio de abuso, excesso ou desvio, a culpa não recai apenas sobre os agentes diretamente envolvidos nem só sobre os seus superiores imediatos, mas também sobre o estado, município ou condado responsável pela polícia e pela política de segurança. Quando esse princípio se traduz em responsabilização judicial e em pesado ônus financeiro, cria-se uma forte motivação para que os governos invistam efetivamente na mudança de comportamento dos seus policiais.
A espantosa continuidade dos episódios de violência policial no Rio de Janeiro mostra a urgência de responsabilizarmos as autoridades fluminenses pelos resultados da sua opção por uma política de confronto como suposto método de redução da criminalidade. Não basta mais culpar apenas os policiais individualmente nem o seu treinamento precário. É preciso admitir que a morte de tantos inocentes, inclusive crianças pequenas - como Ramon, de 6 anos, na favela do Muquiço, e João Roberto, de 3, metralhado na Tijuca - decorre da mesma política que tem provocando centenas de mortes, nunca suficientemente investigadas, de reais ou pretensos bandidos.
Policiais devem imediatamente passar por treinamento intensivo em técnicas de abordagem e sua ação nas ruas deve começar urgentemente a ser monitorada nos moldes do que se começou a fazer em muitas cidades dos Estados Unidos e da Europa, por meio de mecanismos de controle externo independentes e autônomos. Mas, para que isso saia do discurso e chegue à prática, é necessário, entre outras coisas, responsabilizar judicialmente o estado, obrigando-o ao pagamento de altas indenizações, que não fiquem nas filas dos precatórios, pelas vítimas letais e não letais da violência que ele incentiva com a sua política belicista. Se considerarmos que a polícia fluminense matou, só no ano de 2007, 1330 pessoas em alegados confrontos, sem contar as que deixou seriamente feridas, poderemos imaginar o montante de indenizações a serem pagas caso essa polícia atuasse em Los Angeles.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

As Melhores Forças Especiais do mundo - Navy Seals


Navy Seals
O United States Navy Sea, Air and Land, mais conhecidos como US NAVY SEALS, é uma Força de Operações Especiais da Marinha dos Estados Unidos, especializados na guerra não convencional, ação direta, antiterrorismo e reconhecimento. No Brasil poderiam ser equivalentes com o Grupo de Mergulhadores de Combate (GRUMEC) e em Portugal ao DAE.
Eles foram criados em 1962, por ordem do presidente John F. Kennedy. Desde então tem assumido papel importante no teatro de operações de Forças Especiais dos Estados Unidos. Entre os analistas militares, há muitos que dizem que são a melhor Força Especial do mundo, mas aí entra em discussão outras unidades como: 1SFOD-D ou Força Delta, SAS, SASR, Sayeret Matkal e Shayetet 13.
A Organização é dividida em 10 grupos, sendo que cada um tem responsabilidade por uma área no mundo,com exceção do SEALS TEAM SIX ou DEVGRU, que seria uma espécie de Força Delta dos Seals que tem como missão primordial o combate ao terrorismo no campo naval, empregando táticas de Close Quarters Battle.

As Melhores Forças Especiais do mundo - SAS - Serviço Aéreo Especial


SAS - Serviço Aéreo Especial
Serviço Aéreo Especial (SAS) (inglês: Special Air Service) é uma força especial britânica, conhecida pela sua alta capacidade em condições extremas. Inclusive, nos treinos, muitos recrutas morrem devido as terriveis e arduas tarefas a que são submetidos.
Pode ser considerada a primeira "SOF - Special Operation Force" e criadora das operações tipo "Destrua e Fuja".
De todas as Forças Especiais ela é a mais respeitada e muitas vezes considerada a mais eficiente do mundo.A SAS é a mentora de várias forças especiais do mundo como: Força Delta, Sayeret Matkal, GSG 9, Special Air Service Regiment, KSK, GIGN e etc.
Uma das maiores características dessa unidade é sua adaptabilidade por ter sido uma das pioneiras entre as forças especiais.
A "cartilha" SAS é atualmente usada por quase todos os comandos e forças especiais do mundo. Entre as inovações que criaram está:Táticas de Close Quarters Combat (Combate em Ambientes Confinados) criadas inicialmente para ações antiterrorismo.
Essas táticas ficaram famosas com a unidades SWAT da policia americana.Conceito de guerra não convencional aplicado à condução de Operações Especiais.
O conceito de Operações de Patrulha e Reconhecimento de Longo Alcance - até mesmo das chamadas operações móveis, em que um destacamento de forças especiais ataca e se movimento dentro do território inimigo levando o combate durante quilômetros e várias semanas.

As Melhores Forças Especiais do mundo - JTF2 - Joint Task Force 2

JTF2 - Joint Task Force 2
Joint Task Force 2 é uma unidade de Forças Armadas do Canadá responsável por operações anti-terroristas. JTF2 descreve sua missão como “prestar assistência armada na resolução de um incidente que afete, ou tenha o potencial de afetar o interesse nacional do Canadá.”
Os soldados são divididos em duas categorias:
Categoria A - Assalto de Operações Especiais (SOA) que são aqueles que chegam metendo o “pé na porta”, que possuem uma grande experiência tática em operações especiais de resgate, busca e apreensão.
E Categoria B - apoio e pessoal especializado para qualquer tipo de operação. Esta categoria inclui também a posição de timoneiro de operações especiais.
Na série de jogos de tiro Tom Clancy Rainbow Six um personagem chamado Roger McAllen, que fazia parte da antiga JTF, foi incorporado ao jogo por sua atuação na luta contra o terrorismo em 1993.

As Melhores Forças Especiais do mundo - Yamam - Unidade Especial de Polícia


Yamam - Unidade Especial de Polícia
A Yamam (em hebraico: ימ"מ), é abreviação de Unidade Especial de Polícia (יחידת משטרה מיוחדת, Yeḥidat Mishtara Meyuḥedet), unidade de elite do combate ao terrorismo da Guarda de Fronteira Israelense (Magav).
A Yamam é respeitada mundialmente por ser altamente profissional e apresentar um largo histórico de sucesso operacional. É uma força paramilitar especializada em operações de resgate de réfem, e, ofensivas contra alvos em areas civis. Sua ação militar é parecida com a SWAT mas age também em ações infiltradas.
A Yamam responde ao Comando da Guarda de Fronteira, e pertence ao braço civil das forças de segurança de Israel. Mesmo assim, todos seus oficiais são militares com experiência nas Forças de Defesa de Israel, e todos seus membros foram operadores das forças especiais israelenses.
Os soldados da Yamam treinam em todas as àreas militares, de forma que o grupo nunca fique deficiente numa determinada diligência. Eles tem que ser peritos em tiro de precisão, combate em locais urbanos, missões de reconhecimento urbano e de campo militar, desprogamação de bombas, e etc.
Além de treinar rapel, salto com queda livre militar, e mergulho autonômo.

As Melhores Forças Especiais do mundo - AFEUR - Agrupación de Fuerzas Especiales Antiterroristas Urbanas (Grupo de Forças Especiais Antiterroristas)


AFEUR - Agrupación de Fuerzas Especiales Antiterroristas Urbanas (Grupo de Forças Especiais Antiterroristas)
A AFEUR é uma unidade de elite do Exército colombiano, cuja principal missão é realizar operações de contra-terrorismo e resgate de reféns de forma rápida, coletiva e discreta.Proteção VIP é outra tarefa da unidade. Por exemplo, eles protegem o presidente colombiano, quando viaja, e também forneceram proteção para o grupo do presidente Bill Clinton’s e o presidente George W. Bush quando visitaram a Cartagena, em 2000, 2004, respectivamente. Eles também ajudaram na segurança da visita do Presidente Bush a Bogotá em 2007.

As Melhores Forças Especiais do mundo - SWAT - Special Weapons And Tactics (Armas e Táticas Especiais)


SWAT - Special Weapons And Tactics (Armas e Táticas Especiais)

A SWAT é uma unidade de elite tática da América e de alguns departamentos policiais internacionais. Eles são treinados para executar operações de alto risco que estão fora das habilidades de policiais comuns. Suas funções incluem a realização de resgates de reféns e operações anti-terrorismo, cumprir mandados de prisão de alto risco e mandados de busca, enfrentando suspeitos e criminosos fortemente armados. A SWAT é equipada com armas de fogo especial, incluindo fuzis, metralhadoras, espingardas, carabinas, granadas e super-rifles para franco-atiradores. Eles têm vários equipamentos eletrônicos, coletes reforçados, ferramentas para invasão e arrombamento, veículos blindados, óculos para visão noturna, e detectores de movimento para determinar secretamente as posições dos reféns e seqüestradores dentro de uma estrutura fechada.
Suas funções são: resgate de reféns, operações de luta contra o terrorismo e captura de criminosos violentos (como estupradores, assassinos em série ou gangues).
Algo interessante é que muito do armamento a curta-distância deles não são letais. São utilizados apenas para imobilizar e ferir os criminosos.

Fonte: http://forum.outerspace.terra.com.br/showthread.php?p=5630047

As Melhores Forças Especiais do mundo - BOPE


BOPE - Batalhão de Operações Policiais Especiais
Esse todos já sabem, mas ai vai uma pequena descrição. O BOPE é a unidade de elite das forças especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
É especializada em patrulhas, progressões e combates em ambientes confinados e restritos. Considerada a mais eficiente tropa de combate urbano do mundo. Atua em operações de risco extremo, seja no patrulhamento de locais de alto risco, combates em locais de difícil acesso, operações em montanhas, ocorrências com reféns localizados, ocorrências envolvendo explosivos, incursões em favelas e situações de confronto com traficantes de drogas.
O BOPE possui uma frota de veículos blindados de combate, que são conhecidos como “Caveirão”
Estes veículos são usados em operações nas favelas, onde o BOPE enfrenta intensos conflitos com traficantes de drogas. Devido às exigências de sua atuação em situações especiais, é disponibilizado um armamento diferenciado aos políciais que servem no BOPE, com fuzis, espingardas, pistolas, submetralhadoras, carabinas e explosivos.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pagar tratamento de dependente químico devasta orçamento familiar

Marinella Castro - Estado de Minas
Tratar a dependência química não é mais uma decisão apenas do paciente, mas do quanto o orçamento doméstico é capaz de pagar. O tratamento, que pode custar mais de R$ 10 mil por mês nos centros especializados, consome não só o amor das famílias, mas as economias de vários anos, a paz e, em alguns casos, o patrimônio. Mesmo assim, o esforço de pais, avós e parentes costuma não ser suficiente para arcar com a conta do hospital. O peso deveria ser dividido com os planos de saúde, mas a cobertura para o tratamento ainda não é uma realidade ampla, apesar de ser garantida pelas normas do setor. O mais grave, contudo, é que a defasagem entre a pequena oferta das empresas frente à escalada da dependência química está transferindo a delicada decisão para a Justiça.
A dependência química é uma doença social descrita pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com números que assustam o mundo. No país, estima-se que 11% da população tenham envolvimento com álcool e outras drogas. De acordo com a regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a internação, sem limite de tempo, é um direito de quem contratou um plano de saúde, desde que seja uma prescrição médica. Mas, na realidade, quando o tratamento não é feito na rede pública, ele acaba sendo bancado pelo orçamento doméstico. Os motivos variam desde a ausência de vagas na rede de tratamento conveniada até a baixa adesão dos planos aos convênios com centros de tratamento a médio prazo.
Um dia depois de descobrir que o filho adolescente R. havia se tornado usuário de cocaína, droga que, junto com colegas entre 13 e 16 anos descobriu na escola particular, Silvia (*) e o marido João deram início à fase mais difícil de suas vidas. Os dias se transformaram em uma batalha para salvar o filho, e agora a família se prepara para discutir, na Justiça, o direito à cobertura médica. R. é um garoto de classe média, que tem plano de saúde. Ele engrossa as estatísticas que apontam o crescimento do envolvimento de adolescentes com substâncias lícitas e ilícitas. Segundo os últimos dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid), 23,5% dos jovens entre 12 e 17 anos já experimentaram algum tipo de droga.
Aos 16 anos, o menino charmoso de sorriso manso tornou-se agressivo em casa, até mesmo com o pequeno L., o irmão de 8 anos. Quando sem controle e transtornado, avançou contra os pais com o propósito de agredi-los. Só foi contido em uma ação policial. Por determinação médica, e também como uma medida judicial de proteção, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, o menino deveria ser imediatamente internado, já que, naquele momento de surto, representava uma ameaça para si mesmo e para terceiros.
Apesar de a indicação médica e da Justiça, a vaga não foi liberada pelo plano de saúde. “Assim que descobrimos que nosso filho havia se envolvido com drogas, tentamos o tratamento ambulatorial e uma internação rápida, que não deu resultado. Ficamos desesperados. R. fugiu de uma clínica, ficou perdido por vários dias. Quando reapareceu, tornou-se extremamente agressivo em casa, e a Justiça determinou: ou a internação ou a cadeia”, conta, emocionada, a mãe do adolescente.
Como a família já havia vendido o carro, instrumento de trabalho do pai do garoto, para pagar a primeira internação de desintoxicação, decidiram acionar a Unimed-BH. “Foi aí que começou o nosso desespero. Precisamos internar R. com urgência e o plano, em um primeiro momento, disse que não tinha nenhum hospital credenciado”, lembra a mãe.
Depois de uma semana, a conversa avançou e a Unimed-BH ofereceu uma carta com a opção de duas instituições: o Hospital André Luiz e a Clínica Pinel, ambos para tratamento psiquiátrico. “Acontece que os dois hospitais se negaram a internar o meu filho, por ele ser menor. A Pinel, além de não trabalhar com crianças e adolescentes, também não interna involuntários, como era o nosso caso”, diz a mãe. O primeiro hospital entregou aos pais uma carta explicando a negativa de atendimento. A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a Pinel e recebeu a confirmação de que a instituição, de fato, não trabalha com menores.
(*) Os nomes dos personagens foram trocados para preservar a identidade das fontes
Fonte: Estado de Minas

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ENTREVISTA EXCLUSIVA da cineasta e documentarista Geysa Chaves sobre o documentário "Ocupação" e "Se eu não tivesse amor"







André Silva - blog "Questão de Segurança Pública"


Em entrevista exclusiva concedida ao blog "Questão de Segurança Pública", a cineasta e documentarista Geysa Chaves fala sobre os documentários em fase de produção ,"Ocupação" e "Se eu não tivesse amor", e sobre os planos futuros de escrever um livro e produzir um longa de ficcão.

Advogada e estudante de Direção de Cinema da Escola de Cinema Darcy Ribeiro - Instituto Brasileiro do Áudiovisual, Geysa Chaves, que mora no Rio de Janeiro, aborda em seu trabalho "Ocupação" a falta de continuidade dos programas sociais após a ocupação da favela Tavares Bastos pelo Batalhão de Operações Especiais da PMRJ (Bope) que tem privado aquela comunidade de melhoria na qualidade de vida, oportunidades e dignidade.

O documentário "Se eu não tivesse amor" é uma bela abordagem sobre a realidade de cinco mulheres que cumprem pena no presídio Talavera Bruce no Rio de Janeiro. Geysa debate a questão da ressocialização, do preconceito e da valorização dos ser humano atravéz de uma abordagem humanizada da vida dessas personagens reais.

A cineasta também fala do projeto de escrever um livro e produzir um longa de ficção sobre o documentário "Se eu não tivesse amor" e diz estar aberta a propostas de EDITORAS para o livro e de TV´s abertas, fechadas para o documentário e produtores para o futuro longa de ficção.


André Silva: O que é o “Cinema Social”?

Geysa Chaves:
Na minha visão, é discutir temas sociais a partir do audiovisual. Existem temas que pela própria natureza os governos e a sociedade muitas vezes fingem quem não existem, então trazer tais temas à evidência é importante para as pessoas de uma maneira geral procurar fazer uma reflexão sobre eles e exigir mudanças de postura.

André Silva: O seus dois documentários “Ocupação” e “Se eu não tivesse amor” focam as questões sociais, a partir de quem momento você decidiu enquanto cineasta investir no Cinema Social e por que?

Geysa Chaves: Minha preocupação é com assuntos atuais. Assuntos que estão dia a dia no noticiário. Contudo, às vezes as mídias, em função do compromisso com a audiência, divulgam tais informações de uma maneira tendenciosa, e por isso acho importante que as pessoas possam conhecer os dois lados.

André Silva: Uma mulher á frente de uma equipe subindo em uma favela, ainda que considerada segura, e entrar em um presídio feminino para produzir um documentário, na sua opinião, representa uma conquista de espaço quanto às questões sociais das mulheres como um todo? Houve alguma dificuldade durante a produção dos dois documentários que você atribuiria ao preconceito de gênero?

Geysa Chaves: Acho que a mulher ainda é muito tímida. Sempre fui buscar a realização dos meus ideais. Nunca olhei se era mais propenso a homens. No caso desses dois trabalhos, não enfrentei qualquer tipo de preconceito, até porque na TAVARES BASTOS - QG do BOPE/RJ, muitas matérias já foram realizadas lá para TV´s do Brasil e do exterior e muitas as entrevistadoras em vários casos eram mulheres.

Quanto ao presídio, a minha experiência como advogada (embora eu nunca tenha atuado na área criminal) me ajudou muito. Por ser advogada e conhecer meus direitos fui menos hostilizada por funcionários da unidade, mas não escapei de pressão psicológica, tanto que em função de determinado abuso de autoridade tive que representar contra dois funcionários junto a Secretária de Estado de Administração Penitenciária e a Corregedoria local. Depois disso entendi porque só existem filmes de ficção acerca de temas relacionados a presídios. Documentários, se existem são poucos, mas desconheço, acho que não tem.

André Silva: Como surgiu a idéia de fazer o documentário “Ocupação” e o que pretende discutir?

Geysa Chaves: Fala-se muito em UPP´s – Unidade de Polícia Pacificadora. O Governo do Estado em 2009 lançou uma campanha em vídeo em que a polícia subia o morro correndo com a viatura e em seguida ocorria uma fusão de imagens com a realização de obras e o povo sorrindo, seguindo-se da imagem do policial no topo do morro sorrindo.

A leitura é: polícia invade, ocorrem obras e melhorias, povo feliz e polícia no topo, mandando.
Com base nisso resolvi visitar a TAVARES BASTOS – QG do BOPE/RJ que é a OCUPAÇÃO mais antiga e realizada no Governo ANTONY GAROTINHO.

A ocupação data de 09 anos, e depois disso, o único braço do Estado lá é a polícia, o BOPE, mas não tem 1 posto de saúde, não tem nenhuma escola municipal ou estadual, em fim, não tem nada e são 6.800 moradores.

Acho que seria legal o povo saber disso antes da eleição.

André Silva: No documentário “Ocupação”, você levanta questão da não continuidade das políticas sociais após a ocupação permanente da favela Tavares Bastos pelo Bope, como você avalia os efeitos dessa falta de continuidade na comunidade?

Geysa Chaves: Decepção. O morador sabe que a questão é política e se sente usado pelos políticos que sempre prometem e não cumprem nada. Essa consciência de que os políticos são sem caráter é forte lá. O morador mais velho já perdeu a esperança e o morador jovem sonha que ainda pode haver mudanças, mas também acha meio utópico sua forma de pensar, ante a tudo o que vê.

André Silva: O documentário “Ocupação”, que levanta questões sobre as políticas públicas não implementadas após pacificação com a instalação de um batalhão do Bope dentro do favela Tavares Bastos, traz um alerta sobre as Unidades de Polícia Pacificadora. Na sua opinião o que deveria ser feito para que as Unidades de Polícia Pacificadora não se torne somente mais uma política de ocupação?

Geysa Chaves: A experiência com o BOPE deu muito certo. A população local nem pensa na possibilidade do BOPE sair de lá, porque sabe que se eles saírem no dia seguinte volta o tráfico.

Contudo, existem lá projetos privados que chegaram a comunidade através do BOPE, por ser uma polícia respeitada, a mais respeitada, ou a única respeitada pela massa no RJ, então os jovens, as crianças ainda tem alguma coisa para fazer, como artes marciais, onde um policial do BOPE dá aula para os jovens e crianças.

A comunidade também recebe ajuda do BOPE em emergências médicas, e em função dessa ocupação do BOPE que gerou tranqüilidade, a comunidade passou a ser referência de locação para cinema nacional e internacional e também TV.

Lá foram filmados O INCRÍVEL HULK; A LEI E O CRIME; XUXA; VIDAS OPOSTAS, força tarefa, clipe do SNOOP DOG, e outros. Em função disso já teve projeto privado de escola de cinema com patrocínio da PETROBRÁS e também tem uma escolinha de VOLEY do BERNARDINHO com apoio do BANCO DO BRASIL, mas nada vindo do Governo do Estado, e isso tudo dito pelos próprios moradores.

Não adianta só a UPP. Para que a vida do morador de comunidade seja mudada é necessário investimento público em educação, cultura e toda área social, em especial oportunidades de trabalho dentro e fora da comunidade. Se não houver isso, o bandido sai de lá e vai aterrorizar em outro lugar. A polícia se instala e a vida do morador não muda, só passam a ter a garantia do sossego apenas.

André Silva: Após vários contatos com moradores da favela Tavares Bastos, na sua opinião, qual foi a percepção deles quanto a política de ocupação com a implantação do batalhão do Bope e a não continuidade das demais políticas sociais?

Geysa Chaves: Há quem goste do BOPE e há quem não goste. Quem não gosta é porque não gosta de ter que dar satisfação a ninguém, isto é, quer uma liberdade além dos limites de conivência social normal. Mas a maioria ver a presença do BOPE lá como fundamental, se orgulham disso, de viver numa favela tranqüila onde podem dormir com janelas abertas, etc. Mas lamentam o fato do Estado e da Prefeitura não fazer nada por eles em termos de saúde, educação e cultura. Se sentem abandonados pelo poder público. É a mais perfeita definição dos DOIS MUNDOS que falo na narrativa do documentário.

André Silva: Como surgiu a idéia de fazer o documentário “Se eu não tivesse amor” que retrata o drama e os conflitos vividos a por cinco mulheres que cumprem pena no presídio Talavera Bruce no Rio de Janeiro?

Geysa Chaves: Vinha acompanhando notícias quase que diárias de mulheres sendo presas porque o namorado, marido ou companheiro era do mundo do crime, e as mulheres eram envolvidas nos crimes dos mesmos.

Passado um tempo, fui convidada por um pastor evangélico para ir num evento nessa unidade prisional ver o trabalho dele de evangelização com elas.

Chegando lá, me surpreendi com uma cadeia que nunca me mostraram, com fábricas, cursos, escola de primeiro e segundo grau e acesso ao vestibular/ENEM, reunindo todas as condições de ressocialização do detento. Não havia superlotação. As celas são individuais, e as poucas coletivas são para 8 ou 32 detentas, mas cada uma com sua cama e suas coisas pessoais.

PENSEI: Por que ninguém jamais mostrou isso tudo?

Passei a ir algumas outras vezes com ele e resolvi registrar tudo numa espécie de diário que vai virar livro.

Quando decidi que queria mostrar aquele tipo de cadeia, pense: Quero contar essa história, mas preciso de personagens porque não posso falar só da cadeia porque senão é uma mera reportagem.

Decidi que o foco dramático seria mulheres que foram condenadas em função dos relacionamentos amorosos com homens do mundo do crime, já que conversando com 10 mulheres, 9 se diziam lá em função dos crimes desses homens.

André Silva: Você escolheu cinco mulheres como personagens do documentário “Se eu não tivesse amor”. Quais foram os critérios que fizeram dessas mulheres personagens?

Geysa Chaves:

1 – Mulheres fortes, dispostas a contar suas histórias para seus futuros espectadores ou telespectadores sem se fazer passar por coitadinhas, assumindo seus atos;

2- Mulheres bonitas, fora do esteriótipo de cadeia, para que a sociedade possa se identificar com elas e assim prestar atenção no problema social vivido por essas moças, e por muitas outras que não estão presas, ainda;

3 – Moças que fossem capazes de convencer pelas próprias histórias e comportamento na prisão, que todo ser humano merece nova oportunidade, e que são capazes de mudar, mas dependem da oportunidade dada pela sociedade.

André Silva: No seu documentário “Se eu não tivesse amor”, você realizou uma abordagem humana, que valorizasse as mulheres e não os seus crimes. Na sua opinião, o que mais dificulta quanto a ressocialização?

Geysa Chaves: O preconceito da sociedade. Por não dar oportunidades ao detento ou ao ex-detento, a sociedade criou para essa população uma pena de prisão perpétua que a nossa Constituição da República não estabeleceu.

Embora Constituição diga que “não há pena sem prévia cominação legal”, a sociedade condena essa população carcerária a terminar os seus dias no cárcere. Sim, porque se você não dá oportunidades de uma nova inserção social, o que a pessoa que já tem uma espécie de rótulo eterno de ex-presidiário vai fazer da vida?

Enquanto esse preconceito não for quebrado, essa ressocialização se torna mais difícil. Valorizar mais o ser humano que o crime nesse documentário faz a sociedade ver de forma diferente. O fato delas serem bonitas e novas também faz a sociedade ter interesse em ajuda-las e entender seus problemas. Quebra esse esteriótipo de população carcerária faz quebrar um pouco do preconceito.

Veja a campanha do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Eles também saíram do esteriótipo de cadeia senão as pessoas desligam a TV na hora do comercial ou mudam de canal.

André Silva: No seu blog (www.geysachaves.blogspot.com) você registra momentos em que as detentas participaram de concursos de beleza, desfiles e seção de fotos. O que o documentário “Se eu não tivesse amor” pretende dizer nessa abordagem humanizada?

Geysa Chaves: Esse bloco será o da ressocialização. Pretendo que as pessoas entendam com isso que valorizar a auto-estima do preso é fazer dele uma pessoa melhor, que se sente valorizada, amado, respeitado em sua dignidade. Eles já foram julgados e estão lá cumprindo suas penas. Ajudar a se sentirem como seres humanos normais como outro qualquer, que são, faz com que o preso tenha vontade de provar para a sociedade que ele é capaz de mudar, que se arrepende de seu erro, mas que quer uma oportunidade.

No dia do ensaio fotográfico eu tive uma das meninas que chorou demais. Ela nunca havia usado uma roupa nova, sempre coisa usada. Jamais pode imaginar que justamente na cadeia, um dia entraria num casaco de pele VERSACE com uma bota Fórum que também foi recentemente usada pela atriz TAÍS ARAÚJO em campanha publicitária.

André Silva: Quanto aos problemas e imagem do Sistema Penitenciário Brasileiro e dos dententos, desenvolver um trabalho no presídio Talavera Bruce/RJ foi uma quebra de preconceito para a Geysa?

Geysa Chaves: Um dos filmes que mais adoro é CARANDIRÚ. Ele trás de uma forma magnífica e real o lado sórdido da cadeia. Mesmo numa cadeia tranqüila, sem super lotação e com a garantia de dignidade ao preso, como é o Talavera Bruce, esse lado sórdido existe, mas é disfarçado. No início você não sabe quem é quem, mas depois, se você for uma pessoa ligada logo percebe de onde partem certas pressões e por que.

Na minha cabeça, cadeia era lugar sujo, lotado, lugar de gente que não faz nada e só trama coisa contra os cidadãos, mas depois desse trabalho tive que rever meus conceitos.

Hoje quando passo num sinal de trânsito e vejo um jovem vendendo balas, penso que por trás daquele jovem existe uma mãe da LUCIANA.

Hoje quando vejo alguém falando que o preso faz isso ou aquilo, penso que um ser humano que é tratado como bicho é difícil sair de lá e não descontar toda humilhação em alguém aqui fora, mesmo que essa pessoa não tenha culpa de nada e sequer imagine o que ele passou lá. Isso é uma forma de punir o Estado e a população é que paga com a vida na maioria das vezes.
Penso que todo o trabalho realizado pelo JUDICIÁRIO e pela SECRETARIA DE ADM PENITENCIÁRIA será em vão, se não prepararem psicologicamente funcionários do sistema carcerário para trabalhar com o preso. Poucos são preparados. Só humano pode trabalhar nessa função. HUMANO.

André Silva: Quanto ao projeto de escrever um livro sobre o documentário “Se eu não tivesse amor”, como surgiu a idéia e qual é a proposta do livro?

Geysa Chaves: Em 1h ou 1h e 10 min não dá para você contar essas histórias e revelar tudo. Por isso resolvi fazer o livro.

O livro começa com o por que do documentário, passa pelas histórias delas, que por serem densas e grandes não vai dar pra mostrar tudo no documentário e também fala das filmagens, as dificuldades encontradas, de outras histórias que não estão no filme mas que conhecemos no presídio. Fala muita coisa.

O livro serviu de base para um roteiro de longa de ficção baseado em fatos reais. É o próximo projeto.

N documentário procurarei colocar as imagens que não vou dramatizar no longa de ficção no futuro, e que as pessoas só terão conhecimento lendo o livro e imaginando como será o filme que pretendo captar recursos públicos e privados e outras parcerias para filma-lo no futuro.

Depois que finalizar o documentário e o livro começo a mexer no roteiro de ficção que já está registrado, mas pretendo alterá-lo com a colaboração de um roteirista mais experiente em ficção.


*TRECHOS DA ENTREVISTA COM JENNIFER CLAUDE SALAGNAC


“...De repente, entrou uma moça loura e muito bonita porta a dentro. Ela estava com um uniforme verde e uma bota branca tipo bota de pião que tira leite de vacas. É o uniforme da padaria em que trabalha dentro da Unidade Prisional Talavera Bruce. Essa padaria produz o pão consumido por todo o sistema carcerário do Estado.


O que me chamou a atenção é que ela estava com os cílios bem maquiados com máscara de cílios (rímel) preta e pó facial que deixavam suas bochechas mais rosadas, mais bronzeadas.

Ela me disse que nasceu no MARROCOS, mas foi para a FRANÇA com 01 ano de idade e que seus pais são franceses. Ela é francesa, então.

Fiquei surpresa porque ela em tão pouco tempo fala muito bem o português. Aliás, todas as presas do pavilhão das estrangeiras aprendem a falar rapidamente o português...”

TRECHOS DA ENTREVISTA COM DIONE NORMANDO PIRES

“...Quando soube das sentenças, inicialmente caiu em depressão, quis se matar, se mutilou, mas depois virou bicho. Era muito rebelde e queria realmente virar o bicho que a polícia lhe taxou. Já dentro do presídio, em regime de cumprimento de penas, quis realmente ser a LOURA**, a chefe do bando, então tatuou no Cóccis uma AK-47, símbolo do 157 (assalto a mão armada), “bonde” (comboio de carros roubados com bandidos armados) “pesadão” (fortemente armado). Estava irada porque antes dos assaltos nunca teve ficha suja, nunca cometeu outros crimes e teve a pena maior que os demais comparsas e nunca foi CHEFE de nada, e isso tudo foi um devaneio da polícia e imprensa naturalmente por falso testemunho dos comparsas contra ela.
**Na época dos assaltos a caminhões de cargas, DIONE usava cabelos louros.
DIONE diz com tristeza no olhar que não se orgulha dessa história. Que 01 ano na vida do crime lhe rendeu 41 anos de prisão...”.

*TRECHOS DA ENTREVISTA COM JESSICA BORGES CABEÇO

“...Pressionada, e com medo de ser pega, além do medo de perder seu grande amor, JÉSSICA pondera com X, que não abre mão de que ela leve a droga, e insiste com JÉSSICA dizendo: “Amor, sei que você está com medo, mas fica tranqüila, põe na rosadinha (partes íntimas/vagina) que você consegue passar”, e JÉSSICA acaba levando a droga e sendo presa”.


*TRECHOS DA ENTREVISTA COM JAQUELINE RODRIGUES

“...Dona de lindos olhos azuis, LADY, é o vulgo (apelido) que lhe foi dado pelo Delegado que efetuou sua prisão. Ela só assaltava residências de luxo vestida como uma LADY. Sua especialidade era jóias, dinheiro e moeda estrangeira. Nada de bagatela. Ela tinha pavor de ser presa por causa de um vale transporte e uma carteira de velhinhos com “merreca” dentro.
Mulher forte e altamente persuasiva. Prende sua atenção, e para de falar se você divide sua atenção com outros”.

*TRECHOS DA ENTREVISTA COM LUCIANA CAMPOS TAVARES

“...LUCIANA me disse a seguinte frase: “Senhora, a gente não deita de baixo de um homem sem saber o que ele faz, sem saber da vida dele. Pode quem quiser falar, mas não acredito porque eles falam. Posso dizer que o meu relacionamento com ele me apresentou o mundo do crime, porque eu não usava drogas e ele me ensinou a fumar maconha. Eu não cheirava pó porque fere o nariz, mas usei todo tipo de outras drogas – ecstasi, crak, loló, mas eu fui ser traficante por desejo próprio. Eu queria ter PODER”.
...
Pensei também que DEUS olhava muito por LUCIANA, porque ela escapou de 3 sentenças de morte, salvo se eu tiver contado errado: Escapou dos tiros dentro do mato, escapou do julgamento do tráfico e escapou de ser entregue ao “alemães” (inimigos de facção contrária). Qual seria a próxima sentença de morte de LUCIANA?
....
LUCIANA me disse que a vida lhe tirou quase tudo, mas teve um momento em especial que o seu mundo desabou, foi quando ela descobriu ....”

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Há um esforço de setores da sociedade em apagar a ditadura da história do país, diz filósofo em entrevista.

Safatle: O esforço para apagar a ditadura
Há um esforço de setores da sociedade em apagar a ditadura da história do país, diz filósofo
Gilberto Costa - Repórter da Agência Brasil
Brasília - Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes revelaram que seus carrascos asseguravam que ninguém acreditaria no que havia ocorrido nos campos de concentração. A história, no entanto, não cumpriu o destino previsto pelos nazistas, muitos foram condenados e o episódio marca a pior lembrança da humanidade.
Crimes cometidos em outros momentos de exceção também levaram violadores de direitos humanos a serem interrogados em comissões da verdade e punidos por tribunais, como na África do Sul, em Ruanda, na Argentina, no Uruguai e Paraguai.
Para filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), há um lugar que resiste à memória do horror e a fazer justiça às vítimas: o Brasil. Nenhum agente do Estado ditatorial (1964-1985), envolvido em crimes como sequestro, tortura, estupro e assassinato de dissidentes políticos, foi a julgamento e preso.Em março, será lançado o livro O Que Resta da Ditadura (editora Boitemço), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle, o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.
Agência Brasil: O Brasil tem alguma dificuldade com o seu passado?
Vladimir Safatle: Existe um esforço de vários setores da sociedade em apagar a ditadura, quase como se ela não tivesse existido. Há leituras que tentam reduzir o período à vigência do AI-5 [Ato Institucional nº 5], de 1968 a 1979. E o resto seria uma espécie de democracia imperfeita, que não se poderia tecnicamente chamar de ditadura. Ou seja, existe mesmo no Brasil um esforço muito diferente de outros países da América Latina, que passaram por situações semelhantes, que era a confrontação com os crimes do passado. É a ideia de anular simplesmente o caráter criminoso de um certo passado da nossa história.
ABr: Há quem diga que o Brasil não teve de fato uma ditadura clássica depois de 1964, mas sim uma "ditabranda" se comparada à da Argentina e a do Uruguai, por exemplo.
Safatle: Essa leitura é do mais clássico cinismo. É inadmissível para qualquer pessoa que respeite um pouco a história nacional. Afirmar que uma ditadura se conta pela quantidade de mortes que consegue empilhar numa montanha é desconhecer de uma maneira fundamental o que significa uma ditadura para a vida nacional. A princípio, a quantidade de mortes no Brasil é muito menor do que na Argentina. Mas é preciso notar como a ditadura brasileira se perpetuou. O Brasil é o único país da América Latina onde os casos de tortura aumentaram após o regime militar. Tortura-se mais hoje do que durante aquele regime. Isso demostra uma perenidade dos hábitos herdados da ditadura militar, que é muito mais nociva do que a simples contagem de mortes.
ABr: Qual o reflexo disso?
Safatle: Significa um bloqueio fundamental do desenvolvimento social e político do país. Por outro lado, existe um dado relevante: a ditadura de certa maneira é uma exceção. Ela inaugurou um regime extremamente perverso que consiste em utilizar a aparência da legalidade para encobrir o mais claro arbítrio. Tudo era feito de forma a dar a aparência de legalidade. Quando o regime queria de fato assassinar alguém, suspender a lei, embaralhava a distinção entre estar dentro e fora da lei. Fazia isso sem o menor problema. Todos viviam sob um arbítrio implacável que minava e corroía completamente a ideia de legalidade. É um dos defeitos mais perversos e nocivos que uma ditadura pode ter. Isso, de uma maneira muito peculiar, continua.
ABr: Então, a semente da violência atual do aparato policial foi plantada na ditadura?
Safatle: Não é difícil fazer essa associação, pois nunca houve uma depuração da estrutura policial brasileira. É muito fácil encontrar delegados que tiveram participação ativa na ditadura militar, ainda em atividade. No estado de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin indicou um delegado que era alguém que fez parte do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna]. Teve toda uma discussão, mas esse debate não serviu sequer para ele voltasse atrás na nomeação. Se você levar em conta esse tipo de perenidade dos próprios agentes que atuaram no processo repressivo, não é difícil entender por que as práticas não mudaram.
ABr: Estamos atrás de outros países, como Argentina e África do Sul, na investigação e julgamento de crimes cometidos pelo Estado?
Safatle: Estamos aquém de todos os países da América Latina. Nosso problema não é só não ter constituído uma comissão de verdade e justiça, mas é o de que ninguém do regime militar foi preso. Não há nenhum processo. O único processo aceito foi o da família Teles contra o coronel [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, que foi uma declaração simplesmente de crime. Ninguém está pedindo um julgamento e sim uma declaração de que houve um crime. Legalmente, sequer existiram casos de tortura, já que não há nenhum processo legal. E levando em conta o fato de que o Brasil tinha assinado na mesma época tratados internacionais, condenando a tortura, nossa situação é uma aberração não só em relação à Argentina e à África do Sul, mas em relação ao Chile, ao Paraguai e ao Uruguai.
ABr: Que expectativa o senhor tem quanto ao funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), para apurar crimes da ditadura?
Safatle: Uma atitude como essa é a mais louvável que poderia ter acontecido e merece ser defendida custe o que custar. O trabalho feito pelo ministro Paulo Vannuchi [secretário dos Direitos Humanos, da Presidência da República] e pela Comissão de Direitos Humanos é da mais alta relevância nacional. Acho que é muito difícil falar o que vai acontecer. A gente está entrando numa dimensão onde a memória nacional, a política atual e o destino do nosso futuro se entrelaçam. Existe uma frase no livro 1984, de George Orwell, que diz: “Quem controla o passado controla o futuro”. Mexer com esse tipo de coisa é algo que não diz respeito só à maneira que o dever de memória vai ser institucionalizado na vida nacional, mas à maneira com que o nosso futuro vai ser decidido.
ABr: Mas, antes mesmo da criação da Comissão da Verdade, os debates já estão muito acalorados.
Safatle: O melhor que poderia acontecer é que se acirrassem de fato as posições e cada um dissesse muito claramente de que lado está. O país está dividido desde o início. Veja a questão da Lei da Anistia. O programa do governo [PNDH 3] em momento algum sugeriu uma forma de revisão ou suspensão da lei. O que ele sugeriu foi que se abrisse espaço para a discussão sobre a interpretação da letra da lei. Porque a anistia não vale para crimes de sequestro e atentados pessoais. A confusão que se criou demonstra muito claramente como a sociedade brasileira precisa de um debate dessa natureza, o mais rápido possível. Não dá para suportar que certos segmentos da sociedade chamem pessoas foram ligadas a esses tipos de atividades de “terroristas”. É sempre bom lembrar que no interior da noção liberal de democracia, desde John Locke [filósofo inglês do século 17], se aceita que o cidadão tem um direito a se contrapor de forma violenta contra um Estado ilegal. Alguns estados nos Estados Unidos também preveem essa situação.
ABr: O termo “terrorista” é usado por historiadores que não têm qualquer ligação com os militares e até mesmo por pessoas que participaram da luta armada. Usar a palavra é errado?
Safatle: Completamente. É inaceitável esse uso que visa a criminalizar profundamente esse tipo de atividade que aconteceu na época. A ditadura foi um estado ilegal que se impôs através da institucionalização de uma situação ilegal. Foi resultado de um golpe que suspendeu eleições, criou eleições de fachada com múltiplos casuísmos. Podemos contar as vezes que o Congresso Nacional foi fechado porque o Executivo não admitia certas leis. O fato de ter aparência de democracia porque tinham algumas eleições pontuais, marcadas por milhões de casuísmos, não significa nada. No Leste Europeu também existiam eleições que eram marcadas desta mesma maneira.Um Estado que entra numa posição ilegal não tem direito, em hipótese alguma, de criminalizar aqueles que lutam contra a ilegalidade. Por trás dessa discussão, existe a tentativa de desqualificar a distinção clara entre direito e Justiça. Em certas situações, as exigências de Justiça não encontram lugar nas estruturas do Direito tal como ele aparecia na ditadura militar. Agora, existem certos setores que tentam aproximar o que aconteceu no Brasil do que houve na mesma época na Europa, com os grupos armados na Itália e na Alemanha. As situações são totalmente diferentes porque nenhum desses países era um Estado ilegal. E não há casos no Brasil de atentado contra a população civil. Todos os alvos foram ligados ao governo.
ABr: Os assaltos a banco não seriam atentados às pessoas comuns que estavam nas agências?
Safatle: Todos os que participaram a atentados a bancos não foram contemplados pela Lei da Anistia e continuaram presos depois de 1979. Pagaram pelo crime. Isso não pode ser utilizado para bloquear a discussão. Dentro de um processo de legalidade, de maneira alguma o Estado pode tentar esconder aquilo que foi feito por cidadãos contra eles, como se fossem todos crimes ordinários. Se um assalto a banco é um crime ordinário, eu diria que a luta armada, a luta contra o aparato do Estado ilegal, não é. Isso faz parte da nossa noção liberal de democracia.
ABr: Que democracia é a nossa que tem dificuldades de olhar o passado?
Safatle: É uma democracia imperfeita ou, se quisermos, uma semidemocracia. O Brasil não pode ser considerado um país de democracia plena. Existe uma certa teoria política que consiste em pensar de maneira binária, como se existissem só duas categorias: ditadura ou democracia. É uma análise incorreta. Seria necessário acrescentar pelo menos uma terceira categoria: as democracias imperfeitas.
ABr: O que isso significa?
Safatle: Consiste em dizer basicamente o seguinte: não há uma situação totalitária de estrutura, mas há bloqueios no processo de aperfeiçoamento democrático, bloqueios brutais e muito visíveis. Existe uma versão relativamente difundida de que a Nova República é um período de consolidação da democracia brasileira. Diria que não é verdade. É um período muito evidente que demonstra como a democracia brasileira repete os seus impasses a todo momento. O primeiro presidente eleito recebeu um impeachment, o segundo subornou o Congresso para poder passar um emenda de reeleição e seu procurador-geral da República era conhecido por todos como “engavetador-geral”, que levou a uma série de casos de corrupção que nunca foram relativizados. O terceiro presidente eleito muito provavelmente continuou processos de negociação com o Legislativo mais ou menos nas mesmas bases. Chamar isso de consolidação da estrutura democrática nacional é um absurdo. Os poderes mantêm uma relação problemática, uma interferência do poder econômico privado nas decisões de governo. Um sistema de financiamento de campanhas eleitorais que todos sabem que é totalmente ilegal e é utilizado por todos os partidos sem exceção.
Edição: Enio Vieira
Fonte: Site Vi o Mundo

Oficiais aposentados da polícia de NY confessam que foram pressionados a manipular estatísticas criminais

Photo: James Estrin for The New York Times
Rudolph W. Giuliani in 1995 with William J. Bratton, left, who instituted CompStat. A police spokesman criticized a survey of hundreds of retired police officials.
Retired Officers Raise Questions on Crime Data

By WILLIAM K. RASHBAUM



More than a hundred retired New York Police Department captains and higher-ranking officers said in a survey that the intense pressure to produce annual crime reductions led some supervisors and precinct commanders to manipulate crime statistics, according to two criminologists studying the department.


The retired members of the force reported that they were aware over the years of instances of “ethically inappropriate” changes to complaints of crimes in the seven categories measured by the department’s signature CompStat program, according to a summary of the results of the survey and interviews with the researchers who conducted it.


The totals for those seven so-called major index crimes are provided to the F.B.I., whose reports on crime trends have been used by Mayor Michael R. Bloomberg and his predecessor, Rudolph W. Giuliani, to favorably compare New York to other cities and to portray it as a profoundly safer place, an assessment that the summary does not contradict.


In interviews with the criminologists, other retired senior officers cited examples of what the researchers believe was a periodic practice among some precinct commanders and supervisors: checking eBay, other Web sites, catalogs or other sources to find prices for items that had been reported stolen that were lower than the value provided by the crime victim. They would then use the lower values to reduce reported grand larcenies — felony thefts valued at more than $1,000, which are recorded as index crimes under CompStat — to misdemeanors, which are not, the researchers said.


Others also said that precinct commanders or aides they dispatched sometimes went to crime scenes to persuade victims not to file complaints or to urge them to change their accounts in ways that could result in the downgrading of offenses to lesser crimes, the researchers said.


“Those people in the CompStat era felt enormous pressure to downgrade index crime, which determines the crime rate, and at the same time they felt less pressure to maintain the integrity of the crime statistics,” said John A. Eterno, one of the researchers and a retired New York City police captain.


His colleague, Eli B. Silverman, added, “As one person said, the system provides an incentive for pushing the envelope.”

The Police Department disputed the survey’s findings, questioned its methodology and pointed to other reviews of the CompStat process that it said supported its position.


The survey, which involved an anonymous questionnaire, was done in coordination with the union representing most of the senior officers in the department. The questionnaires were sent to 1,200 retired captains and more-senior officers; 491 responded, including 323 who retired from the department after 1995, the first full year that the agency, then under William J. Bratton, used CompStat. It is based on the scrupulous tracking of crime complaints and a mix of mapping crime trends, identifying trouble spots and holding precinct commanders directly responsible for attacking those problems.


The survey has its limitations. It is unclear exactly when the retired senior officers left the department, making it impossible to say whether any alleged manipulations came early on or had developed over years and across more than one mayoral administration. The CompStat approach has been widely replicated across the country and has been credited with improving police work in many cities.


Also, the questionnaires did not set out to measure the frequency of any manipulation. None of the respondents were asked to identify specific acts of misconduct, and none admitted to having done it themselves. In addition, it was unclear whether the officials who said they were aware of unethical conduct had firsthand knowledge.


But the survey asked provocative questions and clearly elicited disturbing answers. The retired members of the force were asked whether they were aware of changes to crime reports. Of the 160 who indicated that they were, more than three-quarters said the changes were unethical.


Paul J. Browne, the Police Department’s chief spokesman, who was provided a copy of the survey’s summary Thursday, said that two other significant, independent and more comprehensive studies had been done in recent years analyzing the integrity of the city’s crime statistics — one in 2006 by a New York University professor and another by the state comptroller’s office — and that he had found them to be reliable and sound.


The report by the N.Y.U. professor, Dennis C. Smith, contained this assessment: “We conclude, as did the state comptroller five years ago, that the city and department officials, and the public can be reasonably assured that the N.Y.P.D. data are accurate, complete and reliable.”


The researchers in the new survey emphasized that the responses — the questionnaires were mailed in September 2008 and returned in early 2009 — showed that most of the senior officers believed that CompStat had been a valuable management innovation. And even few department critics would seriously dispute that the city is much safer than it was in the early 1990s, with murders cut by nearly 80 percent and with neighborhoods, from the notoriously violent to the largely affluent, transformed.


The CompStat system was put in place by Mr. Bratton, Mr. Giuliani’s first of three police commissioners. Versions of the system have been franchised to hundreds of police departments. It was adopted, and in some cases modified, by Mr. Bratton’s successors under Mr. Giuliani, Howard Safir and Bernard B. Kerik, and by Mr. Bloomberg’s commissioner, Raymond W. Kelly.


But as the city annually reported reductions in crime, skepticism emerged in certain quarters — several police unions other than the one that assisted with this survey, elected officials, residents in some neighborhoods — about whether the department’s books were being “cooked.”


Concerns over crime statistics are not unique to New York. Police departments have faced accusations of tampering in Atlanta, Baltimore, Dallas, New Orleans and Washington.


Mr. Kelly, for his part, has said that he instituted a rigorous auditing system to maintain the integrity of the crime reporting operation. And Mr. Browne said Friday that every precinct’s books were audited twice a year, “and where errors are discovered, they are corrected and reflected in revised crime statistics.” He added, “In cases where it is determined that the errors were the result of intentional manipulation, the personnel responsible are disciplined.”


Mr. Browne said that Mr. Kelly had meted out discipline in 11 cases, 4 involving precinct commanders. One of them, he said, was demoted and three others lost their commands. Last week the department confirmed in an article in The Daily News that it was investigating whether the commanding officer in the 81st Precinct in Brooklyn downgraded crimes or refused to take complaints from complainants to artificially reduce serious-crime statistics.


Mr. Browne criticized numerous aspects of the survey, suggesting, for instance, that many of the respondents might simply have been repeating what they had heard or learned from news reports about the “relatively rare instances that gained notoriety.”

“The survey’s biggest flaw is that a hundred respondents may be recalling the same lone incident everyone was talking about when they said they knew of instances when crime reports were manipulated,” he said. “Further, anonymously supplied answers are problematic because it’s hard to assess whether they originate from retirees who felt they were unfairly denied promotion or have some other ax to grind.”

Mr. Browne said that only 37 of the 323 retired senior officers surveyed had served as precinct commanders, arguing that only they would have firsthand CompStat experience. But the researchers said the survey included responses from aides to precinct commanders and higher-ranking officers who oversaw the work of the commanders.


Professor Eterno said the suggestion that 100 former officials might be talking about the same incident was “ludicrous,” and Professor Silverman said the department’s criticism of the use of an anonymous survey indicated a limited understanding of social science methodology.


The seven-page summary of the survey certainly indicates that many of the retired officers believe the system has gone significantly wrong.


Indeed, the researchers said the responses supported longstanding concerns voiced by some critics about the potential problems inherent in CompStat. The former officers indicate that it was the intense pressure brought to bear on the commanders of the city’s 76 precincts in twice-weekly CompStat meetings — where they are grilled, and sometimes humiliated, before their peers and subordinates, and where careers and promotions can be made or lost — that drove some to make “unethical” and “highly unethical” alterations to crime reports.


Mr. Browne said that when Mr. Kelly took over the department in 2002, he barred spectators from CompStat meetings in light of complaints from some commanders that they had been ridiculed in the forum in front of outsiders. He said Mr. Kelly believed that the presence of outsiders “demeaned the process and was unprofessional.”


The two researchers are writing a book scheduled for publication this summer based in part on the survey; it is tentatively titled “Unveiling CompStat: The Naked Truth.” They provided a copy of the summary and the survey questions to The New York Times. They declined, however, to provide a full report until the head of the union with which they worked had shared it with the Police Department.


When Professor Eterno retired as a captain from the Police Department in 2004, he was working in its crime analysis and program planning section. He is now the director of graduate criminal justice studies at Molloy College on Long Island, which financed the study. Professor Silverman wrote a book about CompStat in 1999 before retiring from the John Jay College of Criminal Justice in 2003.


Roy T. Richter, president of the Captains Endowment Association, which represents the retired officials, said the challenges that his retired members had faced — and his active members still face — were significant, as crime continues to decline and precinct commanders must continue to beat their previous year’s performance despite a force with thousands fewer officers.


He called the survey results “troubling,” and said that while CompStat can be an effective tool, to the extent that it is “used as a sword to subject a commander to humiliation before his peers, I don’t think it’s an effective management tool.”

More than a year before Professor Smith of N.Y.U. published his study praising CompStat in 2006, a city commission created to monitor the Police Department’s effort to fight corruption sought to examine the integrity of the department’s statistics. But while the department cooperated with the professor, it refused to comply with the commission.


And despite the efforts of its chairman, Mark F. Pomerantz, a respected former federal prosecutor, the commission could not win subpoena power, and it was not able to examine allegations that crime complaints were downgraded.


The department had argued that those allegations did not fall under the panel’s mandate because the matters did not constitute corruption.


Fonte: New York Times


ENTREVISTA com Deborah Peterson Small - Guerra às drogas: uma questão racial e social


Guerra às drogas: uma questão racial e social




ENTREVISTA/Deborah Peterson Small


A maioria das pessoas que estão nas prisões de diversos países por delitos relacionados com o tráfico de drogas são pobres e pertenecem a minorias étnicas. O exemplo mais significativo são os Estados Unidos, onde, apesar de constituir apenas 13% da população do país, os negros são 59% da população encarcerada por este tipo de crime, de acordo com dados da Drug Policy Alliance.


A ativista pelos direitos civis Deborah Peterson Small, ex-diretora legislativa do Sindicato de Liberdades Civis da Cidade de Nova York, estuda a questão há alguns e concluiu que a chamada guerra contra as drogas oferece aos governos a desculpa perfeita para exercer controle social sobre certos grupos populacionais: pobres, minorias étnicas, jovens e imigrantes, entre outros.

Em sua instituição - Break the Chains (Quebre as correntes) localizada em Nova York, Deborah e sua equipe trabalham por uma política de drogas justa e humana por meio do empoderamento de comunidades vulneráveis e de reformas legais. Uma destas reformas propõe a eliminação da disparidade entre as sentenças para porte de crack e de cocaína. A punição pela venda de cinco gramas de crack é de cinco anos, enquanto para obter a mesma sentença são necessárias 500 gramas de cocaína. O impacto desta desigualdade afeta principalmente os negros, segundo Deborah.


Mas esta questão não é exclusiva dos Estados Unidos. De acordo com a ativista, quem conhece o Brasil, a Colômbia e vários países da África e do Caribe, percebe que a criminalização dos negros, pobres, hispânicos, imigrantes e dos jovens é comum a muitas sociedades.


O Comunidade Segura falou com esta advogada de Harvard que recebeu recentemente o Prêmio Robert C. Randall Award for Achievment in the Field of Citizen Action, dedicado a cidadãos que contribuem para o uncionamiento da democracia.


Por que a senhora considera que a guerra contra as drogas é uma forma de discriminção?


Em São Paulo, Rio de Janeiro, África Ocidental, Europa, Argentina, Caribe, Colômbia e em quase todos os lugares que visitei, vi a mesma situação: as pessoas presas por crimes relacionados a drogas são sempre pobres. Em alguns lugares são também pessoas que pertenecem a minorias raciais e religiosas.


Mas sempre são os mais pobres e marginalizados, o que me faz crer que isto tem a ver menos com drogas e mais com controle. Se a política de guerra contra as drogas fosse realmente uma maneira de controlá-las, os Estados as controlariam em todos los lugares em que elas estão presentes e não só nos lugares pobres.


Poderia explicar melhor?


Os pobres geralmente nem sequer consomem a maioria das drogas porque não têm dinhero. Mas a guerra contra as drogas se converteu em uma ferramenta que os governos usam para controlar as pessoas. Também usam isso para controlar a juventude quando não há lugar para ela no mercado de trabalho. Então, a criminalização é um recurso que os governos têm para manejar suas economias. Se um governo quer encontrar uma razão para criminalizar a população, as drogas são uma excelente desculpa.


Por que precisamente as drogas?


Porque o tema é cercado de todo tipo de moralismos; as pessoas não questionam e quando o governo diz: ‘vou perseguir estas pessoas porque usam drogas’, em lugar de dizer ‘vou perseguir estas pessoas porque são pobres’, ou ‘porque são uma minoria’, ou ‘porque são jovens e me preocupo que se rebelem’, a população não vai censurar. A guerra contra as drogas proporciona uma boa oportunidade para implementar uma série de agendas.


Mas qual seria o benefício de se controlar estas minorias se sabemos que quando estas pessoas vão para a prisão provavelmente vão se envolver em mais atividades criminosas?


Depende. Se avaliarmos a expêriencia dos Estados Unidos, o que poderia dizer é que há uma relação entre o movimento de direitos socias (por meio do qual as minorias raciais têm feito valer seu direito de ter as mesmas oportunidades que outras pessoas na sociedade) e a chegada da guerra contra as drogas, porque esta política permitiu qaue nosso governo ignorasse as demandas e criminalizasse as pessoas.


Na etapa anterior à reivindicação dos direitos civis, um negro podia ser preso apenas porque falou de maneira incorreta com um branco, por olhar para uma mulher branca de forma equivocada, ou por estar em lugares onde não deveria. O movimento de direitos civis inviabilizou essa política: já não se podia mais criminalizar as pessoas por serem negras. Então, com a guerra às drogas pode se alegar que são criminosos e persegui-los. Assim, se alcança o mesmo objetivo.


E o que se consegue com isso?


As drogas são onipresentes na sociedade e isto foi o que me custou um pouco mais de tempo para concluir. Gasta-se mais dinheiro e esforço dar à pessoas uma moradia digna, educação e oportunidades econômicas do que simplemente colocá-las atrás das grades. E se o que se procura como político é fazer o menos possível, encarcerar a maior quantidade de gente possível e desviar o foco do problema. Desta maneira, os governos se desculpam e dizem: ‘o problema não é a pobreza mas a criminalidade. Olhem quanta gente presa. O crime é um problema muito grande, temos que prender’.


Depois argumentam que as pessoas que estão nessa situação são pobres porque se relacionam com criminosos no lugar de reconhecer que são pobres porque vivem em uma estrutura econômica e social que os mantêm na pobreza. Minha conclusão é que muitos governos estão dispostos a gastar mais energia e dinheiro prendendo as pessoas por causa das drogas e de outros delitos do que gastar para melhorar sua condição de vida.


Existe algum estudo que compare os custos de investimento social com a repressão pela guerra contra as drogas?


Sim, temos estudos que avaliam o impacto da guerra contra as drogas em comunidades pobres de pessoas negras. O custo do encarceramento é alto: de 15 a 20 mil dólares por ano por preso. Mas o custo de prover educação, moradia, etc, é ainda maior. Definitivamente, investir na população implica num gasto inicial maior, mas o retorno a longo prazo é muito mais alto porque as pessoas começam a pagar impostos e a retribuir à sociedade em lugar de estar em uma prisão.


Infelizmente, os políticos têm uma visão de curto prazo e não se perguntam onde estará a sociedade em 15 ou 20 anos. Estão mais preocupados em onde eles estarão nas próximas eleições. Por isso, vendem ao eleitor ideias como a redução da criminalidade em um futuro imediato. É muito mais difícil investir em programas para o futuro, dos quais não vão obter o crédito tão facilmente.


Mas não é só questão de discriminação racial…


Não, porque se você tem dinheiro nos Estados Unidos, pode usar drogas, não importa que cor tenha sua pele. Mas é uma questão de quem são as pessoas que vão continuar pagando o preço desta política de drogas. Será na maioria dos casos jovens, negros e hispânicos… E continuamos a usar a desculpa de que o fazemos porque queremos protegê-los porque não queremos que acabem sendo dependentes das drogas.


Pessoalmente, tenho um problema com a ideia de sacrificar uma geração atrás da outra de jovens negros e hispânicos para manter a ideia de que estamos protegendo os jovens brancos. Esse não é o país que queremos. Existe uma razão pela qual não existem mais pessoas brancas nas prisões e não é só pela ação da polícia, é porque a comunidade não toleraria. Isso tem a ver com a forma como interagimos uns com os outros na comunidade e a forma como criamos nossos filhos. Nós somos tolerantes com esse castigo aplicado aos nossos jovens.


A senhora acredita que essa é uma tendência mundial?


Estive no Rio e em Salvador e o que vejo é, primeiro, que existe esse mito de que o Brasil não é racista e está cheio de oportunidades para os negros. Não é nada disso, o Brasil é racista sim. Em segundo lugar, vejo que os mais pobres são os que estão envolvidos com o mercado de drogas por causa da ausência de oportunidades econômicas.


Por outro lado, a maioria das pessoas que compra drogas não são pobres, são as mais abastadas. Vi a mesma coisa na Colômbia. Também me dei conta de que os negros e os indígenas (no Brasil e na Colômbia) são os principales alvos da guerra contra as drogas, ainda que não representem o grupo que mais usa drogas. Tudo isso funciona como controle social e a polícia é instruída para usar a lei nesse sentido.


Como seria um cenário de pós-proibição nos países produtores?


Estive na Colômbia recentemente e me preocupa o que está acontecendo com os países produtores porque a situação nesses países em um cenário de pós-proibição seria muito semelhante à situação das comunidades urbanas em que há um grande número de pessoas sobrevivendo a partir da venda de drogas. Se muda a lei mas não se dá a essas pessoas outra opção de sobrevivência, simplesmente vai aumentar o nível de sofrimento nessas comunidades.


Como assim?


A Colômbia nem sempre produziu cocaína. O país produz cocaína hoje devido às políticas norte-amercianas e à situação interna onde os atores do conflito buscam financiamento na venda de drogas. Também é uma forma de o governo colombiano se eximir da responsabilidade de promover o desenvolvimento econômico. O governo pode dizer 'não podemos desenvolver esta área porque estão cultivando coca' e podem mandar os aviões norte-americanos fumigar as plantações, deslocar os habitantes de suas terras para as cidades para viver em favelas.
Depois, podem usar a terra em grandes plantações de matéria-prima para fabricação de biocombustíveis que trazem muito lucro. Isto faz com que a criminalidade aumente ainda mais nas cidades. Para mim, é uma questão de como empregar melhor os recursos, e de uma maneira mais justa.


A situação na África não é mais animadora…


O que acontece na América Latina se parece com o que está começando a acontecer na África ocidental, especialmente nas economias fracas como Nigéria e Guiné Bissau. O dinheiro das drogas é uma fonte de recursos para muitas pessoas mas isso envolve violência e dependência. Mas ninguém presta atenção ao problema porque a África é considerada um continente enfermo, então se vê o tema como ‘uma doença a mais’ (além do HIV, da fome, da guerra). Na minha opinião, tudo isso tem a ver com uma só coisa: a forma como o 'norte' impõe políticas ao 'sul'… Políticas que são muito adversas à democracia e ao desenvolvimento.


Parece que a administração Obama mudou algumas ações. Hillary Clinton recentemente reconheceu no México a responsabilidade dos EUA no negócio das drogas…


Isso é sé reconhecer a verdade. A questão vai além das palavras. O que eles vão fazer? Vão mandar mais tropas e dinheiro para brigas contra os carteis como acontece com o Plano Colômbia? Estão dispostos a reduzir a entrada de armas no México e a reduzir o consumo nos Estados Unidos?


Foto: Break the Chains


Fonte: Site Comunidade Segura

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Can Intel Agencies Kill Americans?

Can Intel Agencies Kill Americans?
Mark Hosenball

The director of national intelligence, Dennis Blair, shocked Washington last week when he told a congressional committee that U.S. spy agencies have the authority to assassinate American citizens abroad who are believed to be involved in terrorism. But he suggested that intel officials would have to follow special rules to do so: "If … we think that direct action will involve killing an American, we get specific permission to do that," he told the House intelligence committee.

Blair's testimony left behind a pile of questions: By whose authority can intel agencies kill Americans? And who in the government has the power to grant or deny the "specific permission" to carry out such operations? In interviews with NEWSWEEK, current and former U.S. national-security officials—who asked for anonymity to discuss sensitive information—filled in some of the blanks.

These officials say that, a few days after 9/11, George W. Bush signed a classified "intelligence finding" authorizing the assassination of suspected terrorists. By this order, which continues under Barack Obama, officials within the CIA and Pentagon can launch lethal strikes on suspected foreign terrorists without seeking permission from higher-ups. But, say the officials, strikes specifically targeting Americans must first be approved by a secret committee made up of senior intel officials and members of the president's cabinet (it's not known which ones). The president himself does not have to sign off on kill orders.
The sources say that committee approval is required only if the specific target of the assassination is an American—not if an American happens to be in the vicinity of a foreign target at the time of the strike. At least once, U.S. forces have killed an American this way. In November 2002 a missile attack targeting a Yemeni terrorist also killed Kamal Derwish, an American citizen associated with an alleged terrorist cell in Lackawanna, N.Y. U.S. forces almost did it again last Christmas Eve, with an airstrike against another Yemeni terrorist; he was believed to be hiding with Anwar al-Awlaki, the U.S.-born radical cleric who advised both the suspected Fort Hood shooter and the alleged Christmas Day bomber. Al-Awlaki is believed to have escaped.

Civil libertarians are already questioning the wisdom, and legality, of the U.S. government targeting its own citizens. Roger Cressey, a former National Security Council official, takes a different view, saying, "If you are stupid enough to be associated with known Al Qaeda operatives in a known Al Qaeda safe haven, you're putting your life at risk." Paul Gimigliano, a CIA spokesman, says, "The agency's counterterrorism operations are lawful, aggressive, precise, and effective." White House and Pentagon spokesmen did not respond to requests for comment.
Fonte: News Week

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Tropa de Elite 2 promete mais polêmica na Segurança Pública




Uma das cenas de Tropa de Elite 2 filmadas há duas semanas está destinada a causar barulho. Nela, Wagner Moura, na pele do Capitão Nascimento, depõe numa CPI na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e, lá pelas tantas, brada: “Neste estado, o chefe de polícia é corrupto, o governador é corrupto!”. Como o filme acaba em 2006, a dupla Anthony e Rosinha Garotinho (que governou o Rio entre 1999 e 2006) tem tudo para odiar o longa, que estreia em setembro.

Por Lauro Jardim


Fonte: Veja

Descriminalizar o uso de drogas - O modelo de Portugal também daria certo no Brasil?


A lição dos portugueses

Tratar o usuário de drogas como paciente, e não como criminoso, reduziu o consumo em Portugal. Isso pode dar certo também no Brasil?

Andres Vera


Diante de tantas evidências positivas, onde estaria a fragilidade do modelo português? Os números imediatamente apontam para dois problemas: crescimento do uso de cocaína e do número de mortes relacionadas ao uso de drogas a partir de 2006. O governo português diz que existem apenas problemas pontuais, causados por tendências de consumo ou por mudança de metodologia, e que isso não tira sua credibilidade. É nesse ponto que alguns especialistas discordam. Muitos acreditam que Portugal só atingiu tantos resultados porque acompanhou uma onda de diminuição do consumo de todas as drogas verificada na Europa.


Outros críticos dizem que o tamanho de Portugal, com cerca de 10 milhões de s habitantes, não serve de parâmetro para determinar se a descriminalização funcionaria, por exemplo, nos Estados Unidos. Todos concordam, pelo menos, que se a experiência da descriminalização em Portugal não ajudou, ela também não atrapalhou, a exemplo da desastrosa experiência de Platzspitz. As únicas certezas empíricas dizem que a distribuição de seringas limpas realmente reduz o número de infectados pelo HIV. Mas ninguém conseguiu entender, por exemplo, por que a Polônia, sem nenhuma política antidrogas digna de menção, tem as taxas de consumo de cocaína mais baixas da Europa.


Os liberais continuam acreditando no bom exemplo português. No começo do ano, um estudo da revista The Economist feito em parceria com as Nações Unidas investigou a relação entre narcóticos e níveis de punição em 17 países. A conclusão do estudo: não existe relação entre as duas coisas. Uma comparação entre dois países opostos no quesito “rigor punitivo”, a liberal Holanda e a rigorosa Suécia, mostrou que a legislação não interferia nos problemas que esses países enfrentavam para tratar os dependentes químicos. Nos EUA, onde imperam as mais duras regras contra o tráfico e o consumo, as drogas continuam um flagelo.


O que a descriminalização das drogas em Portugal tem a ensinar ao Brasil? “Escolher o modelo ideal é uma questão de vontade política e, principalmente, de pragmatismo”, diz Manuel Cardoso. A favor da descriminalização da maconha (e não de sua legalização, que suporia a legitimidade da produção e da venda da droga) estão três ex-presidentes latino-americanos: o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o colombiano César Gaviria e o mexicano Ernesto Zedillo. Há um ano, na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, exibiu-se o principal argumento desse grupo, um que explica o sucesso de Portugal: os bilhões de dólares que governos gastam prendendo e processando usuários de drogas teriam mais utilidade se destinados a programas de reabilitação. Se é verdade que o tamanho e a cultura de Portugal não traduzem o que poderia acontecer no Brasil, a experiência argentina de descriminalização da maconha, em vigor desde agosto, mostrará a chance de uma política liberal vingar na América Latina. Em Portugal, até agora, parece ter vingado.


Fonte: Revista Época