Foto: Reuters / Sérgio Moraes

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Entrevista com Eduardo Machado, co-criador do site PE Body Count ao FBSP


Eduardo Machado
Pernambuco
Nome: Eduardo Machado


Idade: 34 anos


Carreira: atual repórter especial do Jornal do Commercio, em Recife, Machado é co-criador do site PE Body Count, que contabiliza diariamente as vítimas da violência em Pernambuco. Especializado em reportagens sobre segurança pública, ele já ganhou diversos prêmios, como o Vladimir Herzog e o Esso, por textos dissencando a violência em diversas partes do Brasil e do mundo.


Aos 34 anos, o jornalista é um dos nomes mais relevantes entre os que escrevem sobre segurança pública no Brasil. Nascido no Recife e atualmente repórter especial do Jornal do Commercio, Eduardo é autor de reportagens premiadas sobre violência, direitos humanos e segurança. Em 2002, recebeu o aclamado Prêmio Essso de Jornalismo por um texto tratando das quatro favelas mais violentas do país. Também conquistou o Prêmio Vladimir Herzog, em 2006, por um caderno especial sobre como a Colômbia conseguiu contornar seus graves problemas de homicídios.





Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Eduardo ganhou ainda mais destaque na carreira ao lançar em 2007, numa parceria com outros três colegas jornalistas, o site PE Body Count. Trata-se de um contador de homicídios online, realizado a partir de um minucioso levantamento feito pelo grupo junto a institutos de medicina legal, delegacias e batalhões de polícia, entre outras fontes. Para acompanhar a contagem, os jornalistas vêm promovendo ações de conscientização com grande repercussão. Penduraram mais de 1000 lenços em uma igreja do Recife, representando pessoas assassinadas, fincaram centenas de cruzes na praia de Boa Viagem e pintaram durante um mês desenhos de corpos no local de assassinatos, todos com a palavra “Basta” escrita no peito.





Com a iniciativa, incomodaram autoridades locais a respeito da violência no Estado, conseguiram chamar a atenção da mídia e incentivaram um debate mais profundo sobre os problemas e soluções para a segurança pública nacional.





Em entrevista ao site do FBSP, o jornalista falou sobre o site PE Body Count, sua carreira e visões em relação a segurança.





PERGUNTA – Só para situar melhor quem está lendo esta entrevista, como você acabou se tornando um jornalista especializado em segurança pública?


Comecei como estagiário do Jornal do Comércio em 1997, na editoria de Cidades, que trata do dia-a-dia do Recife. Já entrei logo na área de polícia, escrevendo sobre segurança pública. Foi algo do qual gostei logo de início, porque você aprende muito. Ali aprendi a desconfiar do que estão dizendo, aprendi a entender a necessidade de ouvir sempre os dois lados da notícia. 





Fui ficando nessa área. Quando me formei, fui contratado pelo Diário de Pernambuco e, depois, em 1999, fui chamado para voltar ao Jornal do Commercio, onde estou até hoje. Atualmente sou repórter especial do jornal.





PERGUNTA – Você recebeu uma série de importantes prêmios por reportagens sobre violência e direitos humanos. Quais foram eles?


Para mim, o mais importante foi o primeiro, o Esso, em 2002. Foi uma reportagem falando das quatro favelas mais violentas do Brasil. Para fazer essa reportagem, tive de viajar para São Paulo, Rio, Vitória, comparando todas elas com uma comunidade do Recife e mostrando que esses eram os lugares mais violentos do Brasil. O interessante é que não fomos a esses locais mostrar a violência, fomos para mostrar que, neles, quem praticava a violência e criminalidade era uma minoria. Que ali existem várias pessoas e famílias que levavam suas vidas de forma digna, mas que viviam oprimidas por essa violência e até pelo combate a essa violência. O nome da reportagem era “Raízes da Violência” e, além do Esso, ganhou também um prêmio muito importante de Pernambuco chamado Cristina Tavares de Jornalismo. 





Foi um marco em minha mudança de visão dentro dessa questão de segurança pública. Até 2002, eu ia muito para o lado de ficar reverberando a questão da criminalidade, de ficar relatando os crimes que aconteciam. E a partir dessa reportagem demos um passo na tentativa de mostrar como tudo podia ser diferente, que o foco não precisa necessariamente ser na guerra contra o crime, mas sim na prevenção e na valorização de bons exemplos e boas práticas.





Outra reportagem que gostaria de destacar em minha carreira é a sobre a Colômbia, que venceu o prêmio Tim Lopes em 2006. Foi um caderno especial, aliás, a primeira vez em que fiz um caderno especial. Isso foi muito recompensador. Foi a primeira grande reportagem no Brasil sobre a Colômbia. Foram oito páginas falando de como eles conseguiram contornar o problema da explosão de homicídios. A partir daí, foi possível para mim compartilhar as experiências, não só colocando no papel, mas com convites para palestras. Teve uma grande repercussão. Acho, inclusive, que foi a partir daí que veio o convite para fazer parte do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.





PERGUNTA – Você diz que, desde 2002, sua visão sobre a cobertura jornalística de segurança pública vem mudando. Isso vem acontecendo com outros veículos e jornalistas, ou ainda se continua fazendo o mesmo tipo de cobertura jornalística de sempre? 


Acho que ainda estamos em um processo de avanço nessa questão da visão da imprensa, de maneira geral, em torno criminalidade e de vários outros temas, como direitos humanos. Isso tudo faz parte de um amadurecimento. Temos de ver que faz 25 anos que acabou uma ditadura no Brasil. A imprensa pôde se dizer livre apenas a partir de 1985 e talvez a gente esteja apenas na segunda ou terceira geração de jornalistas que estão começando a entender as coisas de uma maneira mais ampla, com uma visão de menos vícios que no passado. Há dezenas de exemplos de jornalistas que têm consciência do que estão fazendo, mas existe, claro, uma parcela enorme de expoentes que ainda não conseguiram enxergar que há uma responsabilidade muito grande na difusão de notícias de criminalidade. Porque se não tomarmos cuidado, acabamos virando apenas mais uma peça dentro dessa engrenagem da violência, onde aí entram a corrupção no país, o coronelismo, o clientelismo. E a imprensa, com práticas recorrentes de desserviço, que também acabam entrando nesse espiral.





PERGUNTA – Como é a relação entre as autoridades e o setor da imprensa que escreve sobre segurança pública?


Acho que é uma relação mais ódio que de amor. Acho que as autoridades brasileiras ainda estão longe de entender o que é uma crítica, estão longe de afastar a questão pessoal do desempenho profissional deles. É muito difícil uma autoridade entender que o melhor amigo dele é um fiscal criterioso e honesto que quer a melhoria dos serviços prestados à sociedade. É importante saber lidar com a mídia – claro, aquela mídia que faz críticas, mas que trabalha de forma respeitosa e é honesta. A autoridade e a imprensa, juntas, podem construir muito mais.





PERGUNTA – Como está hoje a situação da violência em Pernambuco, considerado um dos Estados com os piores índices de criminalidade do país?


Pernambuco hoje tem um sólido programa de segurança pública com um acompanhamento e um controle que não existiam até então. É um programa chamado Pacto pela Vida (leia mais sobre o Pacto pela Vida aqui), que acompanha semanalmente todas as estatísticas policiais de homicídios que ocorrem no Estado. O Estado foi dividido em áreas, e cada área tem um gestor da polícia militar e da polícia civil. Toda semana esses gestores têm de prestar contas a seus superiores a respeito de quantos homicídios ocorreram em sua área. Eles têm metas estipuladas, têm prazos e também soluções para que esses crimes não explodam. Ou seja não é simplesmente jogar os caras nessas áreas e dizer que não pode ter homicídio lá. Há uma série de operações policiais e medidas que eles podem colocar em prática e que são acompanhadas diretamente. Há um envolvimento direto do governador nisso. Sem contar que a liderança não fica a cargo exclusivamente dos policiais. O secretário de planejamento do Estado é que conduz isso e é quem mais cobra essa questão. Até porque o Pacto pela Vida não se resume à secretaria de segurança pública, aqui em Pernambuco chamada de secretaria de defesa social. Existem ações que são desempenhadas pela Justiça, pelo Ministério Público, pela secretaria de saúde e a secretaria de desenvolvimento social. 





Isso tudo tem feito com que nosso Estado tenha, desde 2007, entrado num processo decrescente nos números de homicídios. Em 2007, houve queda de 2%; em 2008 de 2,5%; em 2009, tivemos uma queda de 12% no número de homicídios. Nesse primeiro trimestre agora, houve uma queda de 13%. É uma iniciativa, portanto, que tem trazido resultados realmente positivos. Apesar de Pernambuco continuar sendo um dos Estados mais violentos do Brasil e, de acordo com os últimos dados nacionais divulgados em 2008, ainda estamos em terceiro lugar no ranking dos Estados mais violentos do Brasil. Temos ainda estatísticas de guerra. 





PERGUNTA – Como surgiu a ideia de criar o site PE Body Count?


A partir de 2002, com a reportagem “Raízes da Violência”, que ganhou o Prêmio Esso, comecei a embarcar na ideia de encontrar boas experiências. A partir daí, vieram outras reportagens especiais premiadas, feitas em parceria com outros jornalistas. Entre elas houve a reportagem “Anatomia da Violência”, que ganhou o Prêmio Vladimir Herzog em 2004 e que contou com dez repórteres do jornal dissecando várias faces da violência em Pernambuco. Isso foi evoluindo e, em 2006, fiz o caderno especial da Colômbia, que foi muito marcante para mim pois vi o quanto a sociedade lá participava de maneira preventiva na redução e enfrentamento da violência. 





No começo de 2007, saiu uma reportagem aqui no jornal falando do Rio Body Count, que era um contador de homicídios a partir de notícias vinculadas na imprensa feita por um grupo de amigos. Eles instalaram um contador de homicídios na Internet. Vi que aquilo poderia ser feito em Pernambuco também. Quando tinha feriado aqui, a gente contava os homicídios e publicava o resultado às segundas-feiras no jornal, o que sempre causava grande repercussão pois a gente contrapunha esses dados com os dados oficiais. A gente viu que havia a possibilidade de fazer essa contagem telefonando para as delegacias, institutos médicos legais do Estado e hospitais para fazer esse levantamento. Com mais três colegas aqui do Jornal do Commercio que também cobriam a área de segurança, a gente resolveu montar esse contador de homicídios. Sem contar também que, de 2006 para 2007, foi quando explodiu o fenômeno dos blogs. Vimos que poderíamos juntar as duas coisas: poderíamos ter, ao mesmo tempo, um contador e um blog para cada um relatar os bastidores de suas reportagens de polícia. Enfim podíamos colocar no blog informações que não cabiam no espaço físico do jornal.





Lançamos o contador de homicídios em maio de 2007 e foi uma repercussão tremenda. Tem um conteúdo muito importante de conscientização, que é o que a gente queria fazer, acabando com aquela história de ficar só reclamando da falta de segurança e incentivando uma discussão mais profunda a respeito do tema. Conseguimos fazer isso. 





PERGUNTA – Como vocês fazem essa contagem de homicídios? Quais fontes vocês usam?


No começo, nós quatro revezávamos, cada um fazendo um dia essa contagem por telefone. A gente faz umas dezenas de ligações por dia, entre 30 e 50 ligações para delegacias, para batalhões de polícia, para os institutos de medicina legal de Pernambuco. Com esse levantamento, uma empresa de software daqui de Recife criou para nós uma página de administração onde a gente cadastra os nomes das pessoas mortes e automaticamente é atualizado o número de homicídios. Todos os dias damos esse balanço, praticamente em tempo real.





PERGUNTA – E como foi a reação das autoridades locais frente à contagem de vocês, que muitas vezes não batia com os números oficiais?


Tivemos algumas reações veladas e outras explícitas. Fizemos ações que extrapolaram a Internet, de protesto contra a violência. Fizemos, por exemplo, uma ação chamada Mar de Lágrimas, em que penduramos lenços na frente de uma igreja de Recife representando as pessoas assassinadas em Pernambuco. Penduramos 1174 lenços. Fincamos cruzes na praia de Boa Viagem. Durante um mês, mandávamos a lista das pessoas assassinadas naquela semana para as igrejas e os padres liam nas missas os nomes das pessoas mortas. E a mais forte dessas ações foi o Mártires da Violência. Durante o mês de outubro de 2007, pintamos no chão o desenho de um corpo no local onde a pessoa foi assassinada, com a palavra “Basta” no peito. Isso deu uma grande repercussão. Depois de um mês, a cidade tinha mais de 80 marcas espalhadas. 





Acreditamos na transformação através do constrangimento. E foi bastante constrangedor para as autoridades a repercussão do trabalho que a gente estava fazendo. Isso contribuiu para que muita coisa mudasse. 





PERGUNTA – Você disse certa vez que, apesar da repercussão, dentro de Pernambuco o Body Count seria pouco usado por outros jornalistas. Por quê?


Somos funcionários do Jornal do Commercio. Fica meio estranho, acho, para os outros veículos daqui darem visibilidade a um projeto que é feito por pessoas que trabalham em outro jornal. Mesmo não sendo ligado ao Jornal do Commercio. Somos independentes e sequer existimos do ponto de vista formal. Não somos uma ONG, somos apenas um site. Não temos sede, não recebemos (fora um repórter que nos ajuda a fazer a contagem atualmente), não existimos formalmente. 





Somos apenas quatro jornalistas que decidiram fazer um projeto de comunicação diferente de tudo o que existia. Queríamos dar uma maior contribuição nessa área de segurança pública fazendo o que sabíamos, que é comunicação.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública 

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