Foto: Reuters / Sérgio Moraes

sábado, 29 de maio de 2010

Artigo de André Silva: Viu deus sangrar, agora os tubarões virão atrás do sangue


Faz poucas semanas assisti ao filme 'Homem de Ferro 2". Amante das produções cinematográficas, não me furto da oportunidade de tentar analisar todas as dicussões que um filme possa oferecer. No início do filme o vilão, muito bem interpretado por Mickey Rourke, se utilizando de tecnologia semelhante a da armadura do homem de ferro, interpretado por Robert Downey Jr, tenta aniquilar herói. Após belas cenas de combate entre praticamente duas máquinas, o vilão é derrotado e preso. No posto policial, durante o interrogatório, o herói blindado escuta do seu agressor que ele "perdeu". Porém, o mais interessante foi a explicação do preso que argumentava que o mundo "viu deus sangrar, agora os tubarões virão atrás do sangue". 

Diante das câmeras, em um evento esportivo de transmissão internacional, o mundo pôde ver o grande homem de ferro tendo que lutar com um inimigo com mesmo poder tecnológico e de fogo e, como dizem em Minas Gerais, "pular uma fogueira" para vencer. A tecnologia que antes era somente de domínio do bilionário Tony Stark, estava nas mãos do inimigo que agora sabia como destruir o poderoso homem de ferro. Exposta a fragilidade do bom moço e herói, todos, inclusive os inimigos, entenderam que o mundo não estava tão protegido o quanto acreditavam e nem a força tão forte o quanto imaginavam.

Na interpretação dessas fantásticas cenas podemos considerar a eterna rivalidade entre Russia e USA, o possível desenvolvimento da bomba atômica pelo Irã e os países do eixo-do-mal que aguardariam uma condição e oportunidade para destruir atomicamente o Tio Sam, a cultura bélico-tecnológica da única super-potência fascinada por dominar o mundo (e o espaço) e construir super-soldados invencíveis e até os ataques de 11 de Setembro que sangrou a bandeira americana à luz do dia e aos olhos de quem possuia acesso a qualquer meio de comunicação e que agora luta contra os tubarões que seguem seu sangue na Times Square.

Mas quero chamar a atenção do leitor para um outro deus que sangra em terras brasileiras, a polícia. Durante os anos de chumbo da ditatuda, mais o medo do que propriamente o respeito limitava a agressão a instituições militares e policiais que tinha expectativa de ser atacada por grupos armados de motivação política e contra o regime militar (a guerrilha) e não pelo criminoso comum. Esse tempo acabou e hoje vivemos em outra atmosfera política.

Em 2006, na democracia, nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, sob um comando centralizado e com uma ação coordenada e organizada, criminosos vitimaram dezenas de policiais em serviço em uma só noite. Centralizado por que partiu do comando de uma facção criminosa e organizado por que a ordem saiu de dentro do presídio. Nesse episódio a sociedade brasileira viu a sua força policial se humilhada e sangrar sobre as águas gerando notícia em jornais estrangeiros.

Hoje a polícia brasileira luta contra os tubarões que seguem o rastro de sangue para atacar como aconteceu recentemente com a Polícia Militar da Bahia, com a Polícia Militar de Minas Gerais nas pacatas cidades do interior e como vem ocorrendo na Polícia Militar do Rio de Janeiro. As motivações desse ataques vão de respresálias aos maus tratos sofrido pelos presos nas cadeias à drogados querendo roubar a arma do policial para pagar a dívida de drogas. 

A notícia recente de dois atentados contra policiais chamam a atenção para algumas realidades a cada dia mais nítidas e insuportáveis. A primeira notícia relata que uma recém-formada policial feminina da Brigada Militar do Rio Grande do Sul foi atingida por trás com uma barra de ferro enquanto realizava o policiamento a pé em Porto Alegre. O agressor teria escondido a barra de ferro na manga da jaqueta e ao passar pela policial a acertou na nuca, que levou nove pontos, e roubou sua pistola Taurus calibre .40 com 15 projéteis no carregador e fugiu. O criminoso é conhecido por cometer assaltos e teria saído em março de um albergue prisional.

A realidade concreta desse fato é a falência do sistema prisional aliada a leis ineficientes que proporcionaram a esse agente motivado a não só retornar ao mundo do crime, mas a retornar mais ousado atacando uma policial em via pública, de serviço, para rouba sua arma e poder cometer mais crimes. Esse fato demonstra toda a falha ou falência e a necessidade urgente de reforma do sistema criminal, penitênciário e policial brasileiro.

A segunda notícia está relacionada ao ataque a policiais militares cariocas por grupos armados (bem armados) para roubar fuzis. Esse fato demonsta um alto poder de organização criminosa diante da economia do crime. Segundo a reportagem, devido à repressão da Polícia Federal ao tráfico de armas, sobretudo na fronteira do Paraguai, o preço do fuzil teria aumentado, dobrado, pela falta do produto no mercado negro brasileiro. O ataque a instituições militares e policiais seria para adquirir esse tipo de armamento.

A triste realidade de que policiais mal remunerados, mal treinados, mal equipados e altamente exigidos estão sendo mortos pela economia do crime demonstra além da novamente falência de todo o sistema criminal, prisional e policial dita antes, o poder dos tubarões de manter as instituições de Segurança Pública acoada e a sociedade refém do medo. Talvez devessemos lutar por uma reforma política para que então possamos alcançar níveis satisfatórios de justiça, igualdade social e qualidade de vida.

Os tubarões estão sagrando deus todos os dias e a culpa é de quem? Quem pode oferecer proteção enquanto sangra nas turbulentas águas da segurança pública e luta contra grandes e pequenos tubarões que seguem o rastro?

André Silva 

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