Foto: Reuters / Sérgio Moraes

sábado, 12 de dezembro de 2009

Ponto final na guerra contra as drogas
Bastar dizer a Jack Cole o número de andares que ele vai percorrer em um elevador, com uma determinada companhia, para que ele já visualize e planeje um futuro próximo. Ele prevê quanto tempo pode durar uma dessas conversas triviais e assegura: “se são mais de oito andares, sei que posso sensibilizar alguém com meus argumentos. Mais de 12, posso garantir que consigo convencê-lo”.
Talvez essa perspicácia seja herança dos mais de 26 anos dedicados à polícia do estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos. Cole procura pessoas para desafiar e as tem encontrado mais fácil e rapidamente do que imaginava. Há sete anos, algumas dessas pessoas se juntaram a Cole e fundaram a Law Enforcement Against Prohibition (Polícia contra a proibição, em tradução livre), a Leap.
“Menos de 1% dos oficiais de polícia dos quais nos aproximamos se negam a falar com membros da Leap. Após uma conversa de três a cinco minutos, 80% acabam concordando conosco e somente 6% querem ir adiante com a guerra às drogas”, explica Cole. “Todos estão tão preocupados em ser ou não tachados de flexíveis e bonzinhos no combate às drogas que somente um pequeno punhado desses oficiais se lembra de que existem, no seu próprio departamento, outros seres humanos que pensam de forma parecida e para quem eles podem expor suas opiniões”.
Antes de fundar a Leap, Cole estava comprometido com uma batalha que ele gostaria de ver terminada. “A guerra às drogas é uma política falha, um desastre que se perpetua e cresce constantemente. Mas não dou mais que dez anos para isso tudo acabar”, avalia. Cole era um policial novato quando as políticas de repressão às drogas explodiram nos EUA e foi escolhido para fazer um trabalho secreto. Sua missão: arrancar pela raiz o mal que os traficantes de drogas representavam.
Quando esse confronto declarado começou, percebeu-se um inchaço súbito de pessoal na polícia. E Cole sentiu isso na pele. “Meu próprio departamento cresceu 11 vezes de um dia para o outro: de sete homens passamos a um escritório de narcóticos com 76 pessoas. Éramos julgados pelo número de prisões que fazíamos e havia a expectativa de resultados em torno de nosso trabalho – naturalmente, para manter a renovação do financiamento anual renovado”.
Uma enorme mentira
O que aconteceu nos anos seguintes direcionou Cole a uma conversão pessoal, que o levou a fundar a Leap após sua aposentadoria. A organização tem voz ativa contra a guerra às drogas e evoluiu para um grupo crescente de dissidentes nos bastidores da polícia, incluindo oficiais de todos os escalões e instâncias – federal, estadual e local –, além da Drug Enforcement Administration e agentes do FBI, juízes e promotores.
Em sete anos, a organização evoluiu para 15 mil membros, todos a favor da legalização das drogas. Oitenta e cinco porta-vozes da Leap já visitaram todos os estados norte-americanos, exceto o Alaska, e existem ainda membros internacionais em mais 76 países. “É preciso ser um membro atual ou ex-membro da polícia ou do Judiciário para falar, mas qualquer um pode aderir ao grupo”, esclarece Jack Cole.
Ele está convencido de que a guerra às drogas é não só uma “mentira enorme”, como também prestou um desserviço à polícia. “Sabemos que, em 1968, a polícia solucionou 91% dos casos de assassinatos. Hoje temos maior número de policiais por habitante, eles são mais bem preparados, educados e pagos, além de ter mais tecnologia ao seu dispor. Como eles podem estar solucionando menos um terço dos assassinatos atuais?”, indaga Cole.
Apontando que 60% dos estupros e incêndios criminosos; 75% dos assaltos; e 83% dos crimes de propriedade acabam sem solução hoje, Cole acrescenta: “acreditamos que a polícia está gastando tanto tempo perseguindo criminosos de drogas que ela não tem tempo para proteger os cidadãos dos criminosos violentos e dos estupradores de crianças, coisas que realmente contam”.
Guerra atrai mais guerra
Um dos mais nefastos aspectos da guerra às drogas, afirma Cole, foi criar situações de encurralamento, que levaram à perversão da justiça. Pressionados a produzir resultados para manter o financiamento das gigantescas equipes de narcóticos, policiais chegavam a mentir sobre o tamanho e valor das apreensões de drogas. “Se achássemos uma pitada de cocaína e um pouco de uma substância adulteradora, podíamos transformar esse material em mais cocaína, a caminho da delegacia”, revela.
Os resultados das interceptações de drogas divulgados pela mídia rapidamente foram revertidos em propaganda, seduzindo mais e mais pessoas dos guetos a ingressar na indústria das drogas, em busca de altos lucros. Isso iria paulatinamente incentivar o mercado ilegal de drogas, gerando mais prisões e, logo, mais ex-detentos que não encontravam nenhuma alternativa de reinserção a não ser voltar para esse mercado.
Mais do que isso, Cole acredita que a prisão de pessoas por uso de drogas é uma perversão do Sistema Judiciário – ele mesmo contou em torno de mil pessoas por cuja prisão ele foi o responsável. “O porte de alguns cigarros de maconha pode mandar uma pessoa para a cadeia por sete anos e, depois disso, é muito improvável que ela recomece sua vida ou mantenha seu emprego. O único jeito que as pessoas vislumbravam para ganhar dinheiro era vendendo drogas”.
Mesmo com toda essa repressão, que coincidiu com a explosão na população carcerária dos EUA, os números mostraram efeito adverso. “Em 1970, uma boa apreensão seria de 28 gramas de cocaína e sete gramas de heroína. Com o passar do tempo, as drogas foram ficando baratas e mais potentes, de mais fácil acesso para crianças. O preço de atacado da cocaína caiu 60%, da heroína 70%. Em 1970, 2% dos jovens usavam drogas, enquanto hoje esse percentual aumentou para 46%. Se o combate às drogas fosse eficiente, os preços teriam subido e o uso, caído”, disse Cole.
900 mil jovens traficantes
De acordo com o ex-policial, nada está sendo feito para conter a violência e prevenir mortes de pessoas inocentes e crianças. Somente a legalização, em sua opinião, mudaria esse cenário funesto. “As pessoas não morrem de overdose de drogas porque querem se drogar mais. Elas morrem porque não há para elas maneira de saber o que exatamente estão colocando em seus organismos”, tenta explicar. A descriminalização, para ele, não é uma solução, pois “os criminosos ainda achariam que valeria à pena empregar a violência para vender drogas”.
Traficantes de drogas são, para Cole, essencialmente empresários. “Hoje existem 900 mil jovens vendendo drogas a outros jovens – e nenhum deles está vendendo cerveja ou cigarros. Por quê? As drogas são ilegais, temos controle sobre elas, mas não sobre os criminosos”. Ele aponta que quando acabou a proibição do álcool, em 1933, Al Capone e seus capangas saíram do negócio da noite para o dia. “Tanto eles pararam de se matar uns aos outros, pelo comando do lucrativo negócio que tocavam, mas também deixaram de nos matar. Nós, policiais, que tentávamos lutar nessa guerra sem sentido. Sabemos que, se legalizarmos as drogas, podemos terminar de vez com a violência”, ele sentencia.
Igualmente, Cole acredita que a guerra às drogas não previne o vício. “Os dados sobre vício ao uso de drogas são claros: em torno de 1,3% dos usuários são viciados. Isso é tão verdade hoje quanto era há 40 anos, quando essa guerra começou, e também em relação a 1914, antes mesmo da proibição”. Cole acredita que as leis anti-drogas dos Estados Unidos foram estimuladas por uma combinação de capitalismo de mercado competitivo, preconceito racial e intervenção governamental.
Leis racistas para suprimir uso de drogas
O ópio é um desses casos. “Quando os chineses, que vieram para os EUA construir estradas de ferro, se tornaram desnecessários como mão-de-obra, a proibição do ópio foi uma forma de se ter certeza de que esses imigrantes não ameaçariam pegar vagas de populações locais”, disse Cole, que ainda notando que a primeira lei que proibiu o uso de ópio em São Francisco tinha referências explícitas aos chinamen.
A dúvida permanece: o que teria estimulado essa mudança de atitude na política de drogas? Exemplos são inúmeros: o prefeito de Newark acredita que “a guerra às drogas está destruindo a cidade porque causa, e não resolve, o problema do crime”. Já para o prefeito de São Francisco, “se pretende-se acabar com 70% do crime dos EUA, é preciso acabar com a guerra às drogas e tratar o abuso de drogas como um problema de saúde pública”. Seriam todas essas manifestações parte do novo clima político causado pela administração Obama?
“Não”, Cole responde, “o governo federal sempre ficou afastado disso, essa mudança tem a ver com uma mudança de consciência. E está vindo à tona graças ao trabalho de pessoas como nós, membros da Leap, que temos legitimidade para discutir essa questão de dentro”. Ele compara a atual conjuntura ao momento em que os veteranos de guerra do Vietnã começaram a se expressar contra a guerra. “A partir daí, a guerra simplesmente parou de ter sentido”.
Tradução: Mariana Mello
Fonte: Comunidade Segura

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