Foto: Reuters / Sérgio Moraes

sábado, 12 de dezembro de 2009

Um movimento internacional que ganha força
Andrea Domínguez
Nos dias 14 e 15 de novembro, cerca de mil vozes interromperam o silêncio do deserto do Novo México, no sudoeste dos Estados Unidos. Eram as vozes dos participantes da Conferência Internacional sobre a Reforma da Política de Drogas, um dos maiores encontros mundiais sobre o tema, organizada a cada dois anos pela instituição norte-americana Drug Policy Alliance (DPA).
O estado, que fica na fronteira com o México, e sofre com a violência gerada pelo tráfico de drogas, foi eleito como anfitrão do encontro devido à sua liderança na formulação de soluções alternativas e eficientes frente ao uso e abuso de drogas. Além do mais, foi o primeiro estado a implementar um sistema de produção e distribuição de maconha para uso medicinal.
Reunidos durante tres dias na capital Albuquerque, ativistas de direitos humanos, profissionais da área da saúde, políticos, pesquisadores, juízes, ex-policiais, usuários de drogas, dependentes em tratamento, líderes juvenis e egressos da prisão por casos relacionados com uso, posse ou venda de drogas, evidenciaram que as diversas mudanças que vêm acontecendo ao redor do mundo em relação à política de drogas já não são feitos isolados, mas fazem parte de um movimento global.
Emocionado ante o salão repleto, o diretor executivo da DPA, Ethan Nadelmann, afirmou que, pela primeira vez em 15 anos de ativismo a favor de uma política de drogas mais eficiente e humana, esta é a primera vez que "o vento sopra em nossa direção”.
"Estão reunidos aqui os que amam as drogas, os que odeiam as drogas e os que são indiferentes a elas. Mas todos que estão aqui acreditam que a guerra contra as drogas não é a maneira de lutar contra elas em nossa sociedade. Temos em comum a justiça e a liberdade e, por isso, somos parte de um movimento mundial que está exigindo uma nova política de drogas". Nadelmann comparou este momento com as lutas pela igualdade de gênero e das minorias raciais nos Estados Unidos durante os anos 1960.
A verdade é que, tanto durante as sessões como nos corredores da Conferência, se viveu um ambiente de solidaridade entre desconhecidos unidos por uma mesma causa: o fim da guerra contra as drogas. Sem otimismo ingênuo, pois a maioria dos painéis evidenciaram a situação crítica de violência e violação dos direitos humanos que se vive ao redor do mundo por conta da guerra contra as drogas.
Nos Estados Unidos, esta causa comum ganha ainda mais força quando se trata de defender o uso medicinal da maconha ou de desmascarar a política de opressão racial e social em que se converteu a guerra contra as drogas. Segundo a DPA, um em cada 100 norte-americanos está atrás das grades e, a cada ano, cerca de dois milhões de pessoas são presas por violarem as leis sobre proibição de drogas.
Diferentes interesseses, mesma causa
A relação establecida politicamente no início deste ano entre El Paso, Texas, e Ciudad Juárez, do outro lado da fronteira, é particularmente emblemática de como diferentes intereses em torno de uma mesma causa podem começar a se articular. O vereador da cidade de El Paso, Beto O'Rourke, participou da abertura da Conferência e explicou como ele mesmo foi da apatia política ao ativismo pela legalização das drogas.
"Estamos a três horas e meia de carro de Ciudad Juárez. No entanto, por muito tempo, preferimos olhar para o outro lado. Cerca de 1.600 pessoas foram assassinadas nos últimos dois anos em Juaréz e, mesmo assim, estávamos indiferentes. Mas em janeiro deste ano, depois de uma complexa negociação, o Concelho da Cidade aprovou por unanimidade uma declaração política de solidaridade com Juárez", afirmou O'Rourke. Ele explicou que a declaração faz uma série de recomendações práticas sobre a importância de aumentar a apreensão de armas de fogo e os programas de redução de danos. "Além do mais, a declaração pede para o governo federal abrir um debate com a população para por fim à proibição de narcóticos".
Para vários especialistas presentes, a violência que impera nas fronteiras pode ser um dos fatores que mais poderia impulsionar o governo norte-americano a agir de maneira mais proativa no debate sobre a possível legalização das drogas.
O papel dos Estados Unidos
Um dos convidados especiais da conferência foi o ex-ministro de Relações Exteriores do México e professor de Política e Estudos Latino-americanos da Universidade de Nova York, Jorge Castañeda.
O ex-ministro ressaltou a incongruência da política norte-americana como um dos principais obstáculos para avançar no processo de reforma internacional da política de drogas, pois, segundo ele, sem a liderança de Washington, será muito difícil o resto dos países do continente avançarem neste aspecto.
"Um exemplo desta incongruência é o caso de determinado dispensário de maconha medicinal em Los Angeles. Cem milhas abaixo, na cidade mexicana de Tijuana, ocorrem dezenas de mortes diariamente para combater a entrada da erva nos Estados Unidos onde, ao cruzar a fronteira, de repente ela se torna legal", explicou Castañeda.
O ex-ministro mexicano destacou também os esforços latino-americanos prorreformistas, apesar da dificuldade que implica a preponderância política de Washington em alguns países da região. "Temos o exemplo do documento firmado por diferentes personalidades do continente, mas especialmente pelos três ex-presidentes Ernesto Zedillo, César Gaviria e Fernando Henrique Cardoso, que afirma explicitamente que a política de guerra contra as drogas falhou e que é hora de examinar outro paradigma e discutir a legalização da maconha, assim como uma abordagem de saúde pública", apontou.
Castañeda explicou que a principal razão pela qual o tema é vetado em tantos âmbitos é a pressão que o governo dos Estados Unidos exerce. "A maioria dos países opta por não questionar a guerra contra as drogas porque é muito difícil mudar se Washington está respirando no seu pescoço. Os Estados Unidos debem implementar mudanças e desenhar uma política congruente, senão será impossível fazermos isso sozinhos".
O ex-ministro se referiu também à necessidade de que o controle do fluxo de armas dos Estados Unidos para o México passe das palavras para ação. "Se o controle de armas consiste em colocar um ponto de controle na fronteira, achando que as armas que vão para o sul o fazem pela mesma rota dos turistas, não vamos ter muito sucesso", ironizou.
Corresponsabilidade crescente
Em seu discurso inaugural, Nadelmann pediu perdão ao mundo pela política antidrogas dos Estados Unidos. Além de valorizar a mudança de retórica do governo norte-americano através de ações como a recente declaração do presidente Barak Obama colocando por cima das autoridades federais as leis estaduais que permitem o uso medicinal da maconha, o diretor da DPA pediu desculpas pela política punitiva exportada por Washington.
"Como americano quero desculpar-me perante as centenas de pessoas que estão aqui pela forma como meu governo vitimizou a tantos outros países em todo o mundo, por haver imposto nossa forma de ser, pelo sistema punitivo que temos imposto", afirmou Nadelmann destacando o dinamismo que o debate ganhou na América Latina durante 2009.
"Por exemplo, a Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia fala sobre romper o tabu e abrir um diálogo franco. Vemos mudanças na Argentina, no Brasil, ou no Equador, onde se fez um enorme indulto a vendedores de pequenas quantidades de droga; vemos a luta da Bolívia para legitimar a folha de coca ancestral; e, na Europa, vemos o modelo português mandando seus usuários para o médico e não para a prisão. Como não mencionar também a Suíça e a Alemanha decididas a implementar programas de redução de danos?", comemorou Nadelmann.
A recente aprovação da chamada Lei de Narcóticos no México também foi amplamente debatida, uma vez que foi erroneamente divulgada pelos meios de comunicação como um passo adiante para a legalização das drogas quando, na realidade, segundo o painel de especialistas mexicanos, a lei estabelece doses de consumo pessoal tão pequenas que o mais provável é que mais usuários terminem sendo processados por posse ilegal de drogas do que antes da sanção da lei.
O Escritório em Washington para Assuntos Latino-americanos (Wola), advertiu que a lei deve ser analizada cuidadosamente pelos países da região que se encontram em processo de reformar suas leis de drogas, como Argentina, Equador e Brasil principalmente, "para não repetir erros e aproveitar os acertos".
O próximo desafio
Após três intensos dias de reuniões, conferências e grupos de trabalho sobre os mais diversos assuntos, que iam desde o uso de substâncias psicoativas para tratamento médico, até a formulação de propostas para lidar com as drogas em um eventual regime regulado do mercado de narcóticos - posterior à era de guerra contra as drogas -, ficou claro que o trabalho está apenas começando.
Cada participante e cada grupo voltará a suas comunidades, suas cidades e seus países para continuar o trabalho minucioso que Nadelmann descreveu como uma gota que cai constantemente sobre uma pedra, causando uma falha somente pela força da persistência. Em um espectro mais amplo, existe a necessidade de continuar articulando esforços em conjunto para atuar de maneira mais efetiva em instâncias internacionais que têm as cartas nas mãos, como a Comisão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas, cuja próxima reunião será em março de 2010.
Os participantes do painel "Depois de Viena: prospectos para uma reforma Internacional e nas Nações Unidas", enfatizaram a importância das organizações locais terem um diálogo dinâmico com seus governos antes das sessões nas Nações Unidas. No entanto, ainda não está claro qual será o passo seguinte dadas as dificuldades diplomáticas impostas aos governos para desafiar estes acordos.
Robin Room, da Beckley Foundation e da Universidade de Melbourne, explicou que a margem de ação frente às Convenções da ONU varia de país para país. Os Estados Unidos, por exemplo, teriam a capacidade de ignorá-las através de uma decisão política que daria prioridade a alguma lei federal. Outros países poderiam impugnar a Convenção, retirar-se e voltar a entrar como manobra diplomática. Por último, poderia-se tentar expedir uma nova convenção, mas as implicações de uma mudança dessa natureza abririam um precedente indesejável para outro tipo de situações nas Nações Unidas, como as que têm a ver com segurança.
O maior desafio de quem tem um papel ativo na discussão de uma nova política internacional de drogas na sociedade civil consiste em "apesar de ter que continuar jogando sob as regras establecidas, encontrar espaços de negociação com os que realmente possam expor novas ideias", concluiu a diretora do Programa Mundial de Política de Drogas do Open Society Institute, Kasia Malinowska.
Fonte: Comunidade Segura

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