Foto: Reuters / Sérgio Moraes

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Deputados querem que só polícia investigue polícia

Conselho formado principalmente por delegados ficaria responsável por[br]regular ação de policiais em todo o País; para MP, vai crescer a impunidade

Denise Madueño / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Proposta de emenda constitucional aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara acaba com o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público e cria o Conselho Nacional de Polícia. O novo órgão, formado em sua maioria por policiais, acumulará poderes. Será responsável por elaborar a regulamentação da atividade, apurar denúncias contra policiais e abrir processos disciplinares.

A votação na comissão teve momentos tensos. O deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), delegado da Polícia Federal e um dos principais defensores da proposta, iniciou um bate-boca com o deputado José Genoino (PT-SP). Visivelmente alterado, Itagiba se levantou da cadeira e, aos berros, em direção a Genoino, mandou o deputado, que o interrompera, "calar a boca!". Itagiba ouviu de volta: "Cala a boca, o quê!? Aqui você não é delegado, não!", reagiu Genoino. A sala estava tomada por delegados que pressionavam pela aprovação da proposta.

Contrário ao projeto, Genoino argumentou que o conselho fere o pacto federativo, porque tira o controle da polícia hoje exercido pelos governadores. A indicação para o conselho é do presidente da República e, além disso, o relatório anual sobre a situação das polícias no País passará a ser encaminhado ao Congresso Nacional pelo presidente da República. "A polícia não é um poder autônomo, mas comandado por um poder civil eleito pelo povo. A polícia tem o poder do uso da arma", afirmou Genoino.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) afirmou que a proposta retira o poder hierárquico do governador sobre a polícia, que ficará submetida apenas ao conselho. "Teremos uma instituição de Estado (polícia) sem nenhum controle externo", afirmou Dino. Entre as consequências, o deputado aponta que o delegado ficará "senhor absoluto de todo o processo". O Conselho Nacional de Polícia, segundo o projeto, será formado por 17 integrantes, 10 deles delegados de polícia.

Ministério Público. O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César Mattar Júnior, afirmou que a mudança aumentará a impunidade de policiais infratores. Ele aponta a aprovação da proposta como uma reação à atuação do Ministério Público, que vem punindo os policiais que cometem irregularidades. "A polícia não quer se submeter ao controle de ninguém. O controle deixará de ser externo, passará a ser interno e quem perde é a sociedade", afirmou Mattar Júnior.

O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Carlos Eduardo Benito Jorge, criticou o controle externo da polícia feito pelo Ministério Público que, segundo ele, "só apura o que tem holofote, o que tem repercussão". Ele argumentou ainda que o controle a ser exercido pelo conselho será mais abrangente porque haverá representantes da sociedade. "O fato de a maioria ser de delegado não quer dizer que o conselho será corporativista", disse.

Partidos. A proposta, do deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), foi aprovada com o apoio do PMDB, do PSDB, do PSB, do PP e do PSC. Genoino, Dino e o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) tentaram adiar a votação, mas foram derrotados. "O conselho é para reprimir o abuso de delegados de polícia", disse Oliveira.

REAÇÕES

Janice Ascari
Procuradora da República em São Paulo

"A polícia não quer e nunca quis o controle externo. O que esse projeto busca é diminuir o poder do Ministério Público, a exemplo de outros 1.200 projetos e emendas em tramitação"


Marilda Pansonato
Presidente da Associação dos Delegados de SP

"Ainda é o início de um processo, mas para nós essa aprovação já representa uma vitória. Não somos contra o controle, só não concordamos com a forma como ele é feito"


Carlos Alberto Camargo
Ex-comandante da PM de São Paulo

"Vejo com muita preocupação essas tentativas de burlar controles. Esse contexto "baicharelesco" da polícia só existe no Brasil. Isso precisa acabar"

Fonte: O Estadão

Comentário do blog:

Toda instituição em um Estado Democrático de Direito deve se submeter ao controle externo da sociedade. Dentro do contexto da necessidade de uma reforma na Segurança Pública é importante que se encontre formas de exercer esse controle social que não monopolize somente no Ministério Público nas também não se feche somente na própria polícia que já possui seu órgão corregedor que deve prestar contas (accountability) à sociedade. Está aí o desafio...

André Silva

Um comentário:

  1. Nao podemos jamais admitir que em uma democracia, que se reveste de um estado democratico de direito, com um edificio de direitos e garantias fundamentais inerentes ao cidadao, qque a policia se exima de se submeter ao controle civil da sociedade, que em ultima ratio pertence legitimamente ao cidadao.
    O estado democratico de direito e seus contornos principiologicos nao comportam um orgao do estado imune ao controle externo e civil, a cujos membros a policia tem o dever de prestar contas de seus atos e acoes.
    Outorgar poderes a instituicao policial para investigar seus proprios membros, e puni-los estaremos dando-lhe um cheque em branco, para a construcao de um estado policialesco.

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