Foto: Reuters / Sérgio Moraes

sábado, 5 de setembro de 2009

Legalizar ou não legalizar as drogas? Quem pagará a conta da legalização?

O uso de droga é questão de sáude públicaO Globo, 25/01/2009 - Robert Sweet, juiz federal americano, defende a legalização do consumo e da distribuição de todos os tipos de entorpecentes.
Por Julita Lembruger*Robert Sweet é juiz federal desde 1978 e, atualmente, é o titular da Southern District Court de Nova York. Já presidiu inúmeras comissões que propuseram melhoria nos serviços prestados ao público pelo Judiciário e publicou trabalhos discutindo os desafios que os juízes enfrentam e seu papel na sociedade. Foi o primeiro juiz federal a defender, publicamente, a legalização do uso e da distribuição de todas as drogas. Para Sweet, drogas são uma questão de saúde pública, e não de Justiça criminal.
ENTREVISTA
O GLOBO: Como o senhor avalia o resultado de mais de três décadas da guerra contra as drogas nos Estados Unidos?

ROBERT SWEET: Nossa política em relação às drogas, que vem custando uma média de US$ 17 bilhões anuais ao contribuinte deste país, é um fracasso do ponto de vista do custo-benefício. Porque a criminalização do uso da droga tem sido ineficaz para mudar condutas, e acredito que lidar com as drogas como uma questão de saúde pública é a única solução viável. Taxar as drogas e prover assistência à saúde do usuário é o caminho adequado.
O GLOBO:O senhor foi o primeiro juiz federal a publicamente propor a legalização do uso e a distribuição das drogas. O senhor incluiria nesta proposta todas as drogas, da maconha à cocaína, da heroína ao crack?
SWEET: Todas as drogas que alteram o comportamento da mente devem ser controladas, exatamente como o álcool. Para serem comercializadas, devem ser taxadas e reguladas. Deverá haver restrições em relação aos lugares e horários em que as drogas poderão ser vendidas e, obviamente, não poderão ser vendidas a menores. Além disso, deve haver campanhas de educação pública esclarecendo sobre os problemas do uso de drogas. E, assim como acontece com o álcool, aqueles que provocarem danos ou ameaças a outros, quando sob a influência de drogas, deverão enfrentar sanções criminais.O senhor tem insistido que a proibição das drogas criou uma economia subterrânea poderosa nos EUA com resultados desastrosos.
O GLOBO: Que cenário é este?

SWEET: Os números resultantes desta economia poderosa são impressionantes, sobretudo se considerarmos as taxas de encarceramento e o tamanho do mercado. Estimase que o mercado de drogas nos EUA gire em torno de US$ 150 bilhões por ano. Hoje temos a maior taxa de encarceramento do mundo ocidental, ao custo de US$ 20 bilhões por ano. Processos relativos a drogas na Justiça federal americana triplicaram em dez anos. Enquanto nossos gastos com a guerra contra as drogas tiveram um aumento enorme, o uso de drogas permaneceu relativamente constante: continuamos a ter cerca de 40 milhões de usuários. Nossa política de proibição das drogas fracassou redondamente sem que fosse devidamente questionada.
O GLOBO: Na sua opinião, a legislação atual sobre drogas nos EUA é inconstitucional do ponto de vista da liberdade individual. Como o senhor sustenta esta proposta?

SWEET: Aqueles que forjaram nossa Constituição admitiram explicitamente que o indivíduo possui alguns direitos que não estão claramente enumerados no texto constitucional. O direito de ingerir determinadas substâncias, enquanto direito de se autodeterminar, pode ser encarado como um direito que encontra respaldo na Constituição dos EUA. Os cidadãos devem ter o direito de controlar e tomar decisões sobre suas questões privadas, na medida em que não causem dano ao bem-estar geral.
O GLOBO: Sua visão sobre o tema das drogas mudou ao longo de seu trabalho como juiz?

SWEET: Num dia do outono de 1988, quando fui obrigado a condenar a dez anos de prisão um rapaz de 18 anos, primário, superficialmente envolvido com o tráfico de drogas, comecei seriamente a reexaminar nossa política em relação às drogas. Pesquisei, conversei com especialistas, refleti muito e cheguei à conclusão de que nossa política, e a consequente legislação para a área, têm sido erros monumentais.Vários outros juízes têm chegado à mesma conclusão. E é muito doloroso para mim, como juiz, impor sentenças que considero injustas.
O GLOBO: Por que, na sua opinião, a legislação ainda não foi alterada e não se constituiu uma comissão com o a Wickersham, criada pelo governo federal em 1929 para estudar a proibição da venda do álcool?

SWEET: Estudos já foram propostos e não obtiveram financiamento. Um ministro da Saúde que propôs um estudo sobre o tema foi exonerado. O problema das drogas é uma questão sociológica, em relação à qual se conhece pouco. Se um estudo substantivo, inclusive do ponto de vista econômico, fosse desenvolvido, eu acredito que mudanças substanciais ocorreriam. É muito difícil discutir abertamente o problema das drogas na sociedade porque muitos mitos se criaram e é um problema de difícil solução. A abordagem punitiva é um método mais fácil: varre-se o problema para debaixo do tapete. Mudar a política atual não será fácil, mas precisamos reconhecer que o uso de drogas é, antes de mais nada, uma questão de saúde pública e que substâncias que alteram o comportamento da mente fazem parte da vida moderna. Seus efeitos precisam ser entendidos e atendidos. A criminalização não resolve o problema.*
Julita Lemgruber é socióloga e diretora do CESeC/UCAM

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